Chegados a 2019 e, se olharmos para trás, rapidamente nos apercebemos que a transformação na forma como comunicamos uns com os outros é inimaginável, se a quiséssemos prever há vinte ou trinta anos.
Uma das grandes transformações na forma como comunicamos prende-se com o mundo da informação noticiosa, aquela que, todos os dias nos entrava em casa através da televisão ou pelos jornais, nos quiosques e nos cafés, está agora ao alcance de um clic no smartphone.
A entrada da internet nas nossas vidas mudou os nossos padrões de consumo da informação. Atualmente, o acesso à informação é feito crescentemente online, em qualquer momento, e com a desvalorização das periodicidades habituais dos meios de comunicação tradicionais. Por outro lado, essa nova forma de consumo foi disponibilizada de forma gratuita, com uma alteração brutal na forma como as receitas de publicidade passou a ser realizada. Em Portugal, assistimos a uma estabilização das receitas de publicidade no pós troika, mas com uma distribuição que merece reflexão. A televisão representa cerca de 40% do mercado da publicidade para a comunicação social, com cerca de 200 milhões de euros, mantendo um valor estável nos últimos anos. Contudo, assistimos a uma grande valorização do digital, com as receitas a duplicar nos últimos cinco anos a aproximando-se rapidamente da televisão. O que falta dizer é o mais simbólico: as grandes multinacionais da economia digital são quem recebe a fatia mais gorda destas receitas do digital.
Claramente, a imprensa escrita tem sido a grande prejudicada com a ascensão do digital, quer nas suas receitas, quer na forma como os conteúdos que produz são depois utilizados economicamente em favor das multinacionais da economia digital, quer na forma como as fake news também ameaçam a sua credibilidade. Por isso, a utilização das receitas do Imposto sobre Determinados Serviços Digitais pode ter um papel fundamental na valorização da imprensa escrita.
Segundo dados da Associação Portuguesa de Informação, as duas grandes áreas metropolitanas do país – Lisboa e Porto, perderam quase a totalidade da sua imprensa regional impressa. Esse dado é preocupante por duas razões:
Em primeiro lugar, porque o acesso à informação, ainda que a internet o faça de uma forma mais rápida, não pode ser garantido apenas através de um meio tecnológico de comunicação. Garantir a pluralidade de mecanismos de transmissão de informação é defender a diversidade na liberdade de imprensa.
Em segundo lugar, porque a discussão sobre aquilo que se passa no nosso território nem sempre é garantido, com rigor e profundidade, através das chamadas redes sociais ou dos jornais online.
Se deixamos que o debate sobre a nossa rua seja esquecido, então estamos a dar o primeiro passo para que a Democracia se afasta do nosso dia a dia.
É urgente agir. A busca pela Verdade exige atos concretos. O tempo não espera por ninguém e também não precisamos de perder tempo a tentar travá-lo. A inovação tecnológica é uma evidência, saibamos então trabalhar numa nova realidade, com os devidos mecanismos de justiça. Precisamos de investimento público que salvaguarde a sobrevivência da comunicação social local e nacional e, ao mesmo tempo, dar-lhe os instrumentos necessários para que esta se modernize e capacite para os desafios do futuro, os desafios da inovação tecnológica e dos novos espaços de troca de informação.
Por isso, propomos a criação de um programa em parceria com os órgãos de comunicação social para que todos os estudantes do 12º ano e do ensino superior tenham uma assinatura anual de jornal ou revista, por eles escolhida, garantindo a ligação de quase meio milhão de jovens e a imprensa.
Se concordarmos com o que precisamos de fazer, então avancemos para o debate sobre como o conseguimos.
O projeto do Bloco que, aqui, hoje, discutimos cria um imposto que incide sobre a prestação de determinados serviços digitais onde a participação dos utilizadores se constitui como uma contribuição ao processo de criação de valor das empresas prestadoras do serviço. São serviços que não existiriam sem a ação dos utilizadores e, por isso, devem dar o retorno aos territórios onde esse valor é criado. Como não é um imposto sobre renda ou património, mas sim sobre a criação de valor em determinado território com a intervenção dos utilizadores desse território, não é enquadrável nos tratados de dupla tributação que têm permitido às multinacionais da economia digital fugir ao pagamento de impostos.
O imposto sobre determinados serviços digitais aplica-se a:
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publicidade dirigida a utilizadores de determinada interface ou plataforma digital (serviço de publicidade online)
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a disponibilização de interfaces ou plataformas digitais que permitam aos utilizadores localizar outros utilizadores e interagir com eles, facilitando entrega de bens ou prestação de serviços subjacentes diretamente a esses utilizadores (serviço de intermediação online)
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a transmissão, incluindo a venda ou cessação, dos dados recolhidos dos utilizadores gerados por atividades realizadas nas interfaces ou plataformas digitais.
É simples a proposta que aqui apresentamos e é claro que o parlamento se tem que debruçar sobre ela. A última década revelou a ascensão e o poder de uma nova economia digital. Das 20 maiores empresas mundiais, 9 são agora digitais, quando há uma década apenas existia 1 nessa lista.
Como disse, o mundo não espera por nós. Saibamos trabalhar sobre o presente e o futuro, garantindo justiça na economia, combatendo a ganância de meia dúzia em detrimento de um país e de uma sociedade mais justos, solidários e onde a liberdade de imprensa é salvaguardada com ações concretas.
É preciso agir e é preciso agir desde logo para que a preocupação com a qualidade da democracia não seja ela própria uma notícia falsa.
Intervenção de apresentação do projeto de lei do Bloco de Esquerda na Assembleia da República, em 20 de março de 2019