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A racionalidade e a lei da selva

João Pereira Coutinho pergunta “não será do interesse de um patrão racional, e da empresa que ele dirige, manter um trabalhador eficiente?” O busílis da questão não é nem nunca foi a “eficiência” do trabalhador(a), a questão é mesmo a forma de contratação...

João Pereira Coutinho, colunista do “Correio da Manhã”, numa coluna que curiosamente se chama “A voz da razão”, afirmava que “não é possível discutir racionalmente a legislação laboral em Portugal”. Porque, afirma o colunista “o debate é caricatural e assenta nestas premissas: o patrão é sempre um verme e o trabalhador, uma vítima indefesa”.

E coloca uma pergunta, que segundo ele, está ausente do debate: “não será do interesse de um patrão racional, e da empresa que ele dirige, manter um trabalhador eficiente?”

É óbvio que João Pereira Coutinho defende a liberalização dos despedimentos, dizendo mesmo que “um mercado de trabalho que permita maior circulação de pessoas” dará lugar a “mais baixos níveis de desemprego”.

A caricatura que utiliza para o debate sobre a legislação laboral não serve, está ela própria refém de um estigma, mas a base de discussão deve ser exactamente sobre a relação entre a força produtiva e o poder do capital que detém a empresa. Olhar para o Mundo do trabalho e dizer que são todos iguais e que a relação entre o empregador e o empregado é uma relação normal, equiparada e justa é a mesma coisa que dizer que na selva são todos iguais. Não é por acaso que a expressão “lei da selva” é tão utilizada quando se fala de legislação laboral. É exactamente, porque na selva vence o mais forte, independentemente de todas as circunstâncias. Quando a legislação laboral deixar de proteger, sim proteger, os trabalhadores e trabalhadoras chegamos ao fim da linha. Deixam de existir os meios que permitem equilibrar a desigualdade de poderes que existe numa relação de trabalho.

Eu sei que custa a muitos aceitar aquilo que está inscrito na Constituição da República, (Art.º 53.º - Segurança no emprego) e artigo 58.º (Direito ao Trabalho), sobretudo a alínea a) do seu n.º 2: “Para assegurar o direito ao trabalho, incumbe ao Estado promover: a) a execução de políticas de pleno emprego.

Eu também sei que se levantam muitas vozes dizendo que é a marca “ideológica” da Constituição, que tudo isso está ultrapassado e, claro, que temos que deixar o mercado funcionar e que só assim haverá emprego, não para todos e todas, pois isso do pleno emprego também está “ideologicamente datado”.

Mas aqui é que está a questão: em primeiro lugar a Constituição não é neutra e não é por acaso que protege os trabalhadores(as), e em segundo lugar o mercado é insaciável, como se tem provado até à exaustão. Não foi em nome do mercado que se fez a primeira revisão das leis laborais, o Código de Trabalho Bagão Félix? E a segunda, o Código de Trabalho Vieira da Silva? E agora chega o 3.º assalto, directo à proibição de despedimento sem justa causa.

Mas a resposta à pergunta de JPC não é nenhum quebra-cabeças e responde-se com uma simples palavra: Sim. O busílis da questão não é nem nunca foi a “eficiência” do trabalhador(a), a questão é mesmo a forma de contratação – se pode contratar ao mês, não faz contrato a prazo de seis meses, se pode manter o contrato a prazo indefinidamente nunca passa a efectivo. Se pode fazer uma avença em regime de recibo verde, mesmo que seja um falso trabalhador independente ou mesmo uma falsa empresa em nome individual, nunca contrata esse trabalhador ou trabalhadora. E assim mantêm a espiral da exploração, da pressão sobre os salários, mantendo-os baixos. Assim cativa a seu favor os direitos dos trabalhadores, que nunca são exercidos na sua plenitude. Assim se mantém o exército de desempregados(as) e se tenta esgotar as forças de resistência.

O trabalhador defende-se com a sua “eficiência”, cuja avaliação depende do patrão, que muito rapidamente o substitui por outra “eficiência mais barata”, “com mais saúde”, “com menos filhos(as)”, mais “adaptada”, etc., etc.

Ontem, milhares e milhares de trabalhadores saíram à rua. TRABALHADORES, pessoas com direitos. Com a destruição das leis do trabalho, serão, não tenhamos dúvidas, vítimas.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Vereadora da Câmara de Torres Novas. Animadora social.
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