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Quem tem medo da paridade?

Há quem considere que a paridade “menoriza as mulheres”. O que as menoriza é uma sociedade que impede mulheres qualificadas de darem o seu melhor, de ascenderem ao topo por uma mera questão de género.

Entre os estados-membros da União Europeia 91% dos presidentes e 76% dos membros da administração das grandes empresas são homens. No caso português, a desigualdade é ainda maior: todos os presidentes são homens e as mulheres presentes na administração representam apenas 14%.

Combater a exclusão das mulheres dos cargos de topo é um elemento da transformação social no campo do género. É um facto, que isso não resolve outras questões nos campos que cruzam as discriminações de género e classe

Também na administração pública se verifica esse estranho fenómeno que faz com que as mulheres, mesmo nos setores onde são claramente maioritárias, continuem a ser uma minoria nos cargos de chefia. Um dos exemplos mais evidentes é o setor da educação: em todos os graus do ensino obrigatório há uma maioria esmagadora de mulheres docentes e uma sobre-representação de diretores. Acresce que, apesar de serem detentoras da maioria dos graus de doutoramento reconhecidos pelas universidades portuguesas (54,1%, em 2012), as mulheres continuam a ser minoritárias na docência universitária e nas direções universitárias.

Há quem considere que a paridade “menoriza as mulheres”, ou que não garante a “qualidade”. No entanto, atualmente há efetivamente um problema de qualidade, muitos homens menos qualificados passam à frente de mulheres mais qualificadas. O que menoriza as mulheres é uma sociedade que impede mulheres qualificadas de darem o seu melhor, de ascenderem ao topo por uma mera questão de género.

A paridade total (50%, 50%) nos órgãos colegiais da administração pública é necessária. O Estado, cumprindo o imperativo constitucional de construir uma sociedade mais livre e mais igual, deve dar esse exemplo de justiça para como as legítimas aspirações das mulheres a uma progressão nas suas carreiras – não lhe faltam quadros qualificados. Do mesmo modo, as administrações das grandes empresas, mesmo que privadas, não devem estar fora dos critérios de paridade.

Combater a exclusão das mulheres dos cargos de topo é um elemento da transformação social no campo do género. É um facto, que isso não resolve outras questões nos campos que cruzam as discriminações de género e classe.

A banqueira pode ser tão especuladora quanto o banqueiro, tal como a ministra da guerra pode ser tão nociva quanto o ministro da guerra. Mas isso não significa que não se defenda a paridade para remover os obstáculos machistas que impedem mulheres mais do que qualificadas, frequentemente maioritárias em cargos intermédios, a ascenderem a funções dirigentes.

Artigo publicado em p3.publico.pt a 17 de fevereiro de 2017

Sobre o/a autor(a)

Investigador. Mestre em Relações Internacionais. Doutorando em Antropologia. Ativista do coletivo feminista Por Todas Nós. Dirigente do Bloco de Esquerda.
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