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Que se lixe a CGD!

Porque no PSD ninguém se quer assumir em tempo de "geringonça" unida, o partido social-democrata continua a assobiar para o lado perante o descrédito crescente da liderança de Passos Coelho.

"Que se lixem as eleições!", exclamava Passos Coelho perante o grupo parlamentar do partido, há pouco mais de quatro anos, durante o jantar que então assinalava o fim do ano legislativo. Agora que se sabe que o ex-primeiro ministro varreu os alertas da Inspecção-Geral das Finanças (IGF) sobre o aumento das imparidades na Caixa Geral de Depósitos (CGD) para debaixo do tapete até perto das eleições, somos confrontados com uma daquelas estórias que Passos Coelho não poderia apresentar, a pedido do arquitecto Saraiva, sem ter que pedir escusa à última hora. Uma daquelas razões pelas quais a Passos Coelho só deviam restar duas opções: pedir demissão para marinar no gelo ou anunciar a candidatura à Câmara de Lisboa para prova de fogo. Mas no PSD ninguém se chega à frente e Rui Rio só vai aparecendo de lado. Prudência, prudência, deixar de respirar até à morte política do artista. Que se lixe, pensarão os barões.

Manuel Rodrigues, ex-secretário de Estado das Finanças, é um monstro de complexidade. Nega que tenha havido ocultação das contas de 2014 (mas a notícia nunca se referiu a qualquer ocultação de contas, o que revela a má consciência). Despacha dois pareceres do IGF seis meses depois de os ter recebido e a 15 singelos dias das eleições legislativas (mas justifica-se dizendo que os pareceres foram suplementares e não obrigatórios, pelo que ficamos assim a saber que este tipo de pareceres estão destinados a alimentar espaço em gavetas ou trituradoras de papel caso sejam portadores de notícias incómodas). Afirma que os pareceres foram pedidos como "um controlo suplementar", decorrentes de "um princípio de prudência pelo Governo anterior" (mas, prudentemente, espera meio ano para os despachar). Queixa-se sobre uma notícia que "não está completa" (mas - apesar da insistência da jornalista - nunca quis prestar esclarecimentos). Manuel Rodrigues pensou que a omissão ganharia eleições e que o silêncio condenaria a notícia. Enganou-se em tudo menos no que, acredito, estaria certo: quem pagará por toda esta brincadeira somos nós, contribuintes. Que se lixem, terá pensado.

A legitimidade da liderança bicéfala do anterior Governo perdeu-se após as eleições. Após este episódio da omissão pré-eleitoral dos pareceres e após o Tribunal de Contas ter acusado Maria Luís Albuquerque de falta de controlo na CGD entre 2013 e 2015, a falta de legitimidade da oposição bicéfala ao actual Governo não carece de parecer. É. Mesmo que a varram para debaixo do tapete.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 14 de dezembro de 2016

Sobre o/a autor(a)

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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