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Que maçada, senhora Merkel!...

Nesta União Europeia germanizada afinal a chefe do governo alemão manda mais facilmente nos governos dos outros do que nas instituições do próprio país.

Mais um imbróglio no processo atamancado pelos mais poderosos da União Europeia para imporem os seus métodos autocráticos aos restantes, espalhando a miséria entre os povos enquanto explicam, mentindo, que tudo se faz para combater a crise.

O novo episódio tem uma saborosa ironia para os que vêm denunciando estas trapaças apresentadas como "política democrática" e, mesmo servindo de fraco consolo aos que estão sujeitos na Europa a um quotidiano cada vez mais infernal, não deixa de merecer um sentido "bem feito!" saído lá do fundo da alma.

O tratado orçamental foi uma coisa inventada pela senhora Merkel, ainda em colaboração com o senhor Sarkozy, para institucionalizar em todo o espaço da Zona Euro no fundo aquilo que a troika anda a fazer ao domicílio em alguns países: traçar as políticas económicas, definir cortes e outras malfeitorias contra os cidadãos, vasculhar contas, elaborar os orçamentos dos Estados. Ou seja, o tratado estabelece que todos os países da moeda única passam a ter uma política económica única ditada da chancelaria de Berlim para o politburo instalado em Bruxelas. Como se percebe, uma cadeia democrática virtuosa para que o mercado seja livre e devidamente servido pelos cidadãos, criada a pretexto de combater as dívidas soberanas e evitar que se repitam, graças ao miraculoso défice orçamental zero.

Adotado numa cimeira de Março, o tratado deveria ter entrado em vigor em Julho. Os seus criadores, especialmente a senhora Merkel, tinham pressa em por tudo nos eixos, as ratificações nacionais deveriam ser feitas à pressão, a tradicional reticência irlandesa lá se resolveu com um referendo em que as alternativas apresentadas aos eleitores foram o tratado ou o caos, os parlamentos cumpriram o que se esperava, evidenciando-se os bons alunos pela rapidez.

Subsiste, é certo, a dúvida sobre a atitude francesa depois de um dos criadores do tratado ter sido vítima do calendário eleitoral pagando sumariamente pelos seus atos em consultas que valeram como referendos.

Agora surge um grande imbróglio, e logo onde menos se esperava. Apressada a impor aos outros que se despachassem para que o tratado entrasse em vigor, a bem ou a mal, a senhora Merkel esqueceu-se da própria casa. Numa destas partidas do destino que até aos mais poderosos podem acontecer, o Tribunal Constitucional Alemão prepara-se, ao que se diz, para impor a realização de referendo sobre o tratado, ou mesmo uma revisão constitucional para que ele seja encaixado na lei fundamental do país. Em Karlsruhe, onde funciona o tribunal, elabora-se a mensagem para Berlim: nada de pressas, a vida institucional tem os seus trâmites, o povo alemão terá que ser ouvido sobre o assunto. E logo com o país a aproximar-se cada vez mais de eleições gerais. Que maçada quando os poderes estatais assumem as suas responsabilidades, senhora chanceler!

Nesta União Europeia germanizada afinal a chefe do governo alemão manda mais facilmente nos governos dos outros do que nas instituições do próprio país. Coisas da democracia mercantilizada.

Artigo publicado no portal do Bloco de Esquerda no Parlamento Europeu.

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Jornalista
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