Quantas vezes pagamos?

porMiguel Reis

08 de dezembro 2012 - 23:55
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Enquanto despeja milhões no negócio chorudo do ensino privado, o Governo ameaça com mais propinas no ensino público.

A Constituição Portuguesa determina a “gratuitidade tendencial” do ensino público. No entanto, as políticas dos que nos governam há demasiados anos têm determinado a “onerosidade progressiva” do ensino público. Começou com Cavaco Silva a introdução de propinas no ensino superior e, nos dias de hoje, Portugal é dos países com as propinas mais caras da OCDE. Aliás, esta organização sublinha mesmo que a despesa das famílias portuguesas com o ensino superior quadruplicou nesta década (de 7,5% dos custos totais para 29,1%). Mas um estudo mais rigoroso sobre os custos do ensino superior português (ver aqui e aqui), mostra que, na realidade, os estudantes e as suas famílias já pagam mais do que o próprio Estado. Apesar desta crua realidade, o Primeiro-ministro tem a lata de afirmar que precisamos de “um sistema de financiamento mais repartido entre os cidadãos e a parte fiscal direta que é assegurada pelo Estado”.

Se os cidadãos já pagam o ensino superior, porque não pagar também o ensino secundário? Se já somos o país que tem das piores taxas de licenciados e de conclusão do ensino secundário, porque não enterrar-nos ainda mais? Perdido por cem, perdido por mil. E talvez se ganhem uns trocos. Para o Governo, a escola pública é apenas má despesa.

Passos Coelho, na entrevista concedida à TVI, mandou o barro à parede, deixando aberta a possibilidade de introduzir propinas no ensino secundário. Perante as reações contundentes, foi recuando e dando o dito por não dito. Mas não nos enganemos: a privatização da escola pública faz parte do programa desta direita neoliberal de dentes aguçados, que já antes tinha sondado o terreno para a aplicação destas novas propinas. Assusta, assusta, ameaça com o péssimo, para que o que saia da cartola seja entendido como menos mau. Veremos que Coelho se mostrará desta vez.

Para esta Direita predatória estudar sem pagar é um luxo. Ou melhor dizendo, estudar sem pagar pelo menos duas vezes (pelos impostos e pelas propinas) é uma borla inadmissível. Mas esquece-se o Governo que os portugueses já pagam pelo menos três vezes o ensino superior (impostos, propinas e todas as outras despesas, do alojamento aos transportes, passando pelo material escolar) e pelo menos duas vezes o ensino básico e secundário (impostos, manuais escolares, etc.).

Em relação ao ensino secundário façamos as contas. De acordo com os últimos estudos um aluno custa ao Estado cerca de 5 mil euros por ano. E o que custa às famílias? Os manuais escolares ultrapassam os 200 euros – é difícil encontrar outro país do mundo onde esta despesa conte tanto no orçamento familiar. Se somarmos todo o restante material escolar, os transportes, e o recurso cada vez maior às explicações privadas (esse outro negócio que floresce à custa do desinvestimento na escola pública e do despedimento de milhares de professores - confira aqui e aqui), manter um aluno no ensino secundário pode custar diretamente às famílias bem mais de mil euros por ano, porventura pelo menos 20% do custo total por aluno. Qual gratuitidade?

Os impostos dos cidadãos deviam garantir uma escola pública de qualidade para todos e todas. Mas o governo prefere uma escola pública pobre, sem recursos, com poucos professores, entregando uma parte substancial desses impostos a grupos privados mafiosos que florescem paredes-meias com escolas públicas e que exploram até ao tutano professores que o Estado considerou dispensáveis. Urge pôr fim a este regabofe.

Miguel Reis
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