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Quando as touradas forem um mito urbano

As touradas nunca deveriam ter sido criadas, nunca deveriam ter sido mantidas, mas definitivamente devem ter um final ruinoso em Portugal.

No dia 08 de Maio, vai ser recebido pelo Primeiro-Ministro o autor do movimento em defesa da abolição das touradas que venceu o concurso promovido pelo website do Governo, no âmbito da iniciativa 'O Meu Movimento' que pressupunha a criação de um movimento cívico por uma Causa, no portal do Governo, com a respetiva angariação de apoiantes através das redes sociais.

Trata-se de mais um marco inequívoco da luta contra o mal-estar público que ainda se vive na sociedade portuguesa que coexiste com um espetáculo de gozo lúdico, em prejuízo de touros e cavalos, obrigados a participar numa cultura sanguinária e vil, que teima ainda em marcar lugar entre nós.

Quando se fala em mitos urbanos, associamos a histórias macabras de terror doentio que nos abalam a certeza e nos aceleram a pulsação. Assim será um dia com as touradas, quando ouvirmos falar destes crimes de sangue e sofrimento, pois não se compreende outro modo de aceitar e conviver com uma prática tão bárbara e desestruturante da sanidade mental humana.

Quando leio que localidades como Pombal e Alter do Chão, entre outras, estabelecem as touradas como Património Cultural Imaterial nestes Concelhos, algo vai mal no humanismo destes autarcas.

Quando descubro que a pega de touros, aspira a tornar-se Património Cultural Imaterial da Humanidade, sob o aval da UNESCO, algo turvou a mente dos nossos autarcas que deveriam estimular a promoção de valores elevados e tradições positivas que dignifiquem Portugal e os Portugueses e não a vanglória a práticas violentas de antropocentrismo cínico e frustrado.

Compreendo que estas medidas são mais uma tentativa de blindar a legitimidade das touradas por decretos-lei e património cultural, mas denuncia acima de tudo o receio doentio de olhar a realidade de nojo e vergonha no qual as touradas cobrem todos os portugueses.

As touradas nunca deveriam ter sido criadas, nunca deveriam ter sido mantidas, mas definitivamente devem ter um final ruinoso em Portugal. Acredito que é inevitável reconhecer a fraqueza que as touradas representam para qualquer povo que vai ter de reconhecer um dia, que errou profundamente durante centenas de anos em manter uma tradição que nos rebaixa e vexa sobremaneira. Também sei que o acesso crescente a mais informação e a mais estudos científicos, permitirão a mais portugueses a tomada de consciência do óbvio: os touros e cavalos são animais sencientes, que sentem dor, sofrimento, stress e, ao qual devemos, no mínimo, a dignidade de lhes permitir terem a sua vida da forma mais natural possível, sem a perversidade humana das touradas.

Os mitos urbanos relatam-se em sites de internet, filmes ou em conversas de amigos, na tentativa de fazer passar um medo coletivo que nos une, de alguma forma bizarra, mas nunca deixa de ser ficcional. Ao contrário, as touradas são reais e encarnam o receio que teimamos em manter na memória para nos lembrarmos que somos o topo da cadeira alimentar, intelectual e moral.

Apesar de todos os nossos avanços tecnológicos, sociais, económicos e éticos, ainda existem pessoas que resistem a soltar-se de um passado coletivo de sangue e morte, que teve o seu começo em episódios de guerras, escravatura e massacres, que deixaram de fazer sentido atualmente, mas que persistiram no tempo, num formato mais velado, como as touradas, onde toda a violência e frustração são supostamente libertadas contra os touros.

A mudança social está a acontecer, quer queiramos ou não. Não podemos caminhar para o futuro, com a cabeça virada para trás, olhando saudosamente o passado e este espetáculo atroz. Assim morrerão as touradas.

Sobre o/a autor(a)

Ativista dos direitos dos animais / Estudante Universitário
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