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Quando o sol marcava a jornada de trabalho …

Na luta forte que ainda há a fazer pela redução, tão biologicamente necessária, da jornada de trabalho, conhecer a coragem e determinação dos operários e trabalhadores de há 170 anos, pode ser uma poderosa alavanca…

Há 170 anos nas fábricas metalúrgicas de Lisboa ainda se trabalhava de sol a sol durante os meses de março a setembro. Nos dias mais pequenos, de outono e inverno, a duração do trabalho ia do nascer do sol até às 20 horas com mais uma hora de serão após o jantar, para compensar o patrão. Nos inícios do século 19, a situação era ainda pior: o trabalho nas serralharias onde se fundia o cobre começava às 4 da madrugada e ia até às 10 da noite.

Extintas as corporações das artes e ofícios em 7 de maio de 1834, a Constituição de 1838 proclamou no seu artigo 14º “todos os cidadãos têm o direito de se associar …”. O associativismo operário, de objectivos essencialmente mutualistas, dá os primeiros passos em 1838 com a criação da Associação dos Artistas Lisbonenses para apoiar os operários na velhice, na doença e no desemprego.

A situação nas fábricas metalúrgicas, como a Colares & Filhos que em 1839 já tinha 250 operários, começou a mudar com a recusa ao trabalho nocturno iniciada em 10 de Setembro de 1849. Serralheiros, fundidores e torneiros da fábrica Vulcano abandonaram o trabalho às 20 horas, antes do serão. Mais de 500 operários manifestaram-se pelas ruas de Lisboa e organizaram colectas de fundos para subsistência. E apesar das ameaças repressivas (deportação para África) do governo de Costa Cabral, ao fim de dez dias de greve, um dos industriais, patrão da fábrica Fénix, aceitou a reivindicação dos operários e foi fixado o dia de trabalho em 12 horas na primavera e verão e 10 horas nos meses de outubro a março, não se prolongando para além das 19 horas da tarde.

Naquele que terá sido, segundo Victor de Sá, o primeiro regulamento escrito numa fábrica metalúrgica, aconteceu uma grande mudança: o tempo de trabalho passou a ser marcado pelo relógio da fábrica.

Só 42 anos depois haveria de surgir a primeira lei a regulamentar o tempo de trabalho: a Lei de 23 de Março de 1891 fixou o período de trabalho de 8 horas para os manipuladores de tabacos. E somente há menos de um século, após a revolução socialista de Outubro de 1917 na Rússia e a aprovação pela Assembleia Nacional francesa em 25 de Abril de 1919 dos três 8 (oito horas de trabalho, oito horas de lazer, oito horas de descanso), depois de greves em Abril de 1919 no Barreiro, Lisboa e Porto e da criação do jornal “Bandeira Vermelha”, só em Maio de 1919, com o Decreto nº 5516, é consagrada a velha aspiração da jornada de trabalho de 8 horas: o artigo 1º dispunha: “o período máximo de trabalho diário dos trabalhadores do comércio e indústria, com excepção dos rurais e domésticos, não pode ultrapassar 8 horas por dia nem 48 horas horas por semana”. Em Setembro era fundada a Confederação Geral do Trabalho. Mas em Novembro do mesmo ano de 1919 era denunciado, no parlamento, o completo desrespeito da lei nº 5516: a duração da jornada de trabalho continuava a ser insuportavelmente elevada.

O resto da história é conhecido. Ainda hoje, dados da OIT indicam que em Portugal se trabalha em média 45 horas por semana, apesar do limite previsto na lei, de 40 horas semanais. Na luta forte que ainda há a fazer pela redução, tão biologicamente necessária, da jornada de trabalho, conhecer a coragem e determinação dos operários e trabalhadores de há 170 anos, pode ser uma poderosa alavanca…

Sobre o/a autor(a)

Jurista. Membro da Concelhia do Porto do Bloco de Esquerda
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