Quando a esmola é grande, o pobre desconfia

porMaria Luísa Cabral

10 de setembro 2022 - 20:48
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Enquanto os aumentos das pensões não forem regulados por legislação adequada e fiável, configurarão sempre uma esmola. Quando o governo quiser e entender, sempre uma indignidade.

Tornou-se um hábito com este Governo ouvir hoje uma coisa que amanhã é desmentida com toda a desfaçatez. No caso concreto dos aumentos das pensões, não há muito tempo o Primeiro-Ministro deu uma entrevista em que garantia que a legislação existente seria cumprida. Talvez estivesse já a projectar a alteração da lei. Se estava, é muito feio jogar com as situações desta forma.

O Governo também já nos habituou a apresentar medidas num embrulho tal que são precisos vários descodificadores para deslindar o fundamento das questões. Uma confusão deliberada, uma forma de exercer o poder gozando com quem trabalha. Tudo impróprio de um estado democrático, uma vergonha para cada um de nós.

Sim, esta meia-pensão é uma esmola, um insulto. Um aumento na cândida expressão do chefe da bancada do PS, fidelíssimo guardião do PM. A meia-pensão corresponde a um truque financeiro rapidamente denunciado. Meia-pensão anunciada pelo PM com grande à vontade que aumentou ao saber que o Presidente da República já tinha promulgado o decreto. Por acaso, neste momento o PR sente-se um pouco entalado e lá vai dizendo que o pior são os aumentos em 2024. Olha, percebeu! Tarde demais.

Porque hão-de as pensões andar ao bel-prazer do PM em vez de serem regulamentadas, regulares e previsíveis? Este “põe, tira, mexe e rapa” faz o seu caminho naqueles países cujos regimes pseudodemocráticos nós contestamos, desprezamos e queremos ver banidos da esfera internacional. Em nome de quê é que se alteram leis para acomodar voluntarismos governamentais?! Um governo que não cumpre as suas próprias leis?! Como se pode exigir aos tribunais ou aos cidadãos que cumpram as leis? Como colectivo, entrámos nessa rota?!

o dinheiro vem aí, dará certamente jeito mas a decência só será reposta se a Lei 56-B/2006, 29 Dezembro for cumprida

Claro, o dinheiro vem aí, dará certamente jeito mas a decência só será reposta se a Lei 56-B/2006, 29 Dezembro for cumprida. O resto são malabarismos. Nós reformados temos de nos libertar desta condenação, mão estendida, um enxovalho. Se a lei é inadequada, com tempo e antecedência, deveria o Governo proposto a sua alteração. Não se mudam as regras quando o jogo decorre.

Depois, a altura. Porquê só em Outubro? Bom, as contas não são feitas à mão, dispensamos a ironia do PM, sabemos que há computadores e, ensina a experiência, que os computadores executam mesmo o que lhes for pedido mas é indispensável saber pedir. O problema não é a execução mas a encomenda. A máquina obedece. Capacidade de análise e síntese, argúcia, inteligência, formação adequada. Adiar para Outubro, mais um malabarismo financeiro de vão de escada.

Taxar os grandes lucros? Ah, não, isso só lá para os ingleses, ou italianos, ou alemães. Ideias da Comissão Europeia. Em Portugal? Nem pensar! Neste país ao Sul e ao Sol, as grandes empresas e os seus accionistas são efectivamente os DDT. Que o PM e a sua geração permitam e acalentem esta situação é trágico porque está errado e porque tinham obrigação de, pelos anos de vida que levam em democracia, rejeitar todo este esquema. Estamos condenados a um presente muito triste, sem perspectiva; quanto ao futuro, não há. Apenas um gigante buraco negro.

Sem as receitas extraordinárias mas justas que os grandes lucros poderiam proporcionar para um verdadeiro apoio às famílias, não há margem para o concretizar. O slogan Famílias Primeiro revela oportunismo, propaganda política na vã tentativa de restituir alguma popularidade ao governo e ao PM. Quem é que engole esta manobra?

Os apoios que aí vêm, sendo tão mais curtos do que os apoios Europa fora, empurram-nos ainda mais para baixo, uma vez que voltamos a partir de uma posição mais recuada

Os apoios que aí vêm, sendo tão mais curtos do que os apoios Europa fora, empurram-nos ainda mais para baixo, uma vez que voltamos a partir de uma posição mais recuada. Um pequeno país à deriva, Europa, Europa, onde estás?

O ilusionismo nestas matérias é insuportável, pior quando executado pelo PM. Executado pelos ajudantes, não tem jeito. Assistir à performance de António Houdini Costa já é muito mau, dispensamos o cortejo dos figurantes.

Maria Luísa Cabral
Sobre o/a autor(a)

Maria Luísa Cabral

Bibliotecária aposentada. Activista do Bloco de Esquerda. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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