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Quando é Cavaco a dizer a verdade sobre a política de trabalho do PS

Numa análise ao perfil político de António Costa, Cavaco Silva reproduz as principais críticas elaboradas pelas Direitas em Portugal desde 2015.

“A coragem política do Governo e o crescimento da economia” é o título do recente artigo de opinião do ex-presidente da República Aníbal Cavaco Silva, no Jornal Público1. Numa análise ao perfil político de António Costa, Cavaco Silva reproduz as principais críticas elaboradas pelas Direitas em Portugal desde 2015.

Cavaco Silva é um adversário político de todos e todas que, à esquerda, sabem como foi duro resistir à chegada do neoliberalismo em força no final da década de ‘80 e nos primeiros anos de ‘90. A reprivatização de parte da banca e alguns setores estratégicos da economia portuguesa, a permeabilidade do poder político a uma burguesia que se reconstituía após a Revolução de 25 de abril de 1974, a aposta num modelo de desenvolvimento baseado no betão, a chegada da lógica de “utilizador-pagador” - com toda a brutalidade policial que marcaram a época - através das portagens ou da política de propinas são apenas alguns exemplos do início de um retrocesso político e social vivido na sociedade portuguesa após menos de duas décadas do fim do Estado Novo.

A sua governação é a prova de que o liberalismo sempre conviveu bem com políticas autoritárias e conservadoras, desde o uso da força policial para conter protestos até à negação das liberdades individuais de minorias sociais. Uma das suas marcas é pautada por uma resposta planeada do patronato sobre o funcionamento do mercado de trabalho. Consigo, aprofundou-se a desregulação do mercado de trabalho, a inflação que esmagava os salários, a desvalorização social do papel dos sindicatos na relação de forças entre capital e trabalho. A sua visão sobre o mundo do trabalho é bem conhecida por todos os espectros políticos da vida portuguesa. Ao fim de contas, estamos perante uma figura que continua a ser um dos principais políticos com mais anos no poder, desde Ministro das Finanças, a Primeiro-Ministro e a Presidente da República.

A contestação às suas decisões, principalmente nos últimos anos, ganhou maior expressão quando, enquanto Presidente da República, evitou ao máximo que se consumasse um acordo político entre o Partido Socialista, o Bloco de Esquerda, o Partido Comunista Português e o Partido Ecologista “Os Verdes”. Esse lamentável episódio, que colocou Passos Coelho a apresentar ao Parlamento um Governo que duraria sensivelmente quinze dias, tornou-se razão para uma crítica mais ou menos generalizada das esquerdas e do centro a uma postura que se pautava progressivamente por um sectarismo político. Mesmo nas hostes do Partido Socialista, transparecia não existir, para além de Passos e Portas, figura tão diametralmente oposta às convicções do Governo que António Costa que, à altura, tomava posse e iniciava o seu mandato.

Passados seis anos, duas legislaturas, o fim do acordo político popularmente conhecido como “Geringonça”, a produção de uma narrativa por parte do Partido Socialista sobre a teimosia de Bloco, PCP e PEV em relação (por exemplo) ao Código Laboral conquistou terreno. Essa conversa baseia-se em duas falsas premissas: a primeira é a de que António Costa virou totalmente a página da austeridade, quando, na verdade, não tocou em praticamente nenhuma das alterações que o Governo PSD/CDS e a Troika inseriram nas leis do trabalho. A segunda é a de que o atual Código do Trabalho não está desenhado para favorecer inequivocamente o poder dos patrões sobre quem vive do seu salário. Talvez sobre este tema, Cavaco Silva, adversário político, nos ajude a deslindar o novelo. “Se fosse tomado como indicador o perfil político do Primeiro-Ministro, com base na análise da sua atuação nos seis anos de chefia do Governo, em que sobressaiu a aversão a políticas de cariz estrutural, obter-se-ia um grau de coragem política muito baixo, com exceção do mercado de trabalho, em que revelou resistência às pressões da extrema-esquerda.”2 Se a decisão do PS foi ignorar os apelos da Esquerda, não pode deixar de ouvir um seu possível novo interlocutor.

Notas:

2 Ibidem.

Sobre o/a autor(a)

Museólogo. Investigador no Centro de Estudos Transdisciplinares “Cultura, Espaço e Memória”, Universidade do Porto
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