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Quando a crise bate não toca a todos

Nas últimas semanas temos assistido a um ataque especulativo ao Euro sem precedentes. Este ataque e a crise profunda em que mergulhámos coloca Portugal numa situação ainda mais difícil. Mas o que se passou em Portugal na última semana não deixa de ser curioso pelas piores razões. Não é só de moeda que estamos a falar. Pelo menos do seu valor facial. Se assim fosse, teríamos, pelo menos, de encontrar a outra face da moeda, e essa é, infelizmente, sempre a mesma. Com efeito, o ataque especulativo ao Euro só teve uma comparação à altura com o ataque que foi feito aos desempregados.

No início da semana a Confederação da Indústria Portuguesa decidiu propor ao governo que deixasse de haver limite mínimo para o subsídio de desemprego. Este limite tem implicações directas naqueles que têm ainda trabalho, criando espaço para que os seus salários possam também ser reduzidos. O que é um direito adquirido, resultante de descontos de anos trabalho, é, cada vez mais, tratado como uma regalia. A fórmula apresentada pelos empresários é simples: fragilizar ainda mais os mais fragilizados e reduzir os seus rendimentos. Um dia depois foi o próprio governo, de mãos dadas com o novo líder do PSD, a propor alterações ao subsídio de desemprego para garantir que ninguém tivesse vantagem - sim, a palavra utilizada foi "vantagem" - em ficar no subsídio de desemprego "por ser uma situação mais vantajosa do que estar a trabalhar". Dizê-lo numa altura em que não tem havido capacidade de criar emprego vem, no mínimo, a destempo. Escuso-me a dizer o resto. A esta proposta juntou-se ainda a de "avançar já" para auditorias e fiscalizações às prestações sociais. A tão falada fiscalização das actividades especulativas pode esperar, parece ser afinal a mensagem que se quer fazer passar.

Tudo em nome de um Plano de Estabilidade e Crescimento que faz pesar a crise sempre mais aos mesmos e que converte em suspeitos todos aqueles que, em resultado da crise, ficaram numa situação de vida insustentável. E não podemos aceitar uma tentativa, mesmo que disfarçada, de colocar trabalhadores contra desempregados, continuando a dar todos os benefícios a quem já tudo tem.

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputada, dirigente do Bloco de Esquerda, socióloga.
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