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Propinas: para que vos quero?

As propinas são um obstáculo a qualquer sistema de ensino superior democrático e inclusivo.

Várias estruturas do movimento associativo estudantil, que representam mais de cem mil estudantes, exigiram o fim da existência de propinas, num documento conjunto assinado durante um Encontro Nacional de Direções Associativas. A proposta tem como objetivo lutar por uma "uma sociedade mais justa e desenvolvida". Entre os subscritores, encontram-se a Associação Académica de Coimbra, a Federação Académica de Lisboa e várias outras estruturas, ao todo, vinte organizações.

O debate central referente aos mecanismos de ação social escolar no Ensino Superior é se estes permitem ou não combater o abandono escolar e apoiar os estudantes com dificuldades financeiras. Os números do abandono escolar estabelecem uma relação direta entre a incapacidade de resposta dos atuais mecanismos de apoio aos estudantes e o aprofundamento da crise social e económica, nomeadamente durante o cumprimento do acordo assinado com a Troika. A manter-se a atual política de propinas ao que acrescem os recorrentes atrasos nas transferências das bolsas de ação social, estamos de facto perante um problema de sustentabilidade do próprio sistema de ensino superior como fator de combate às desigualdades e de promoção da mobilidade social.

Segundo o relatório “Education at a Glance” referente a 2015, o financiamento público ao Ensino Superior em Portugal é o menos representativo na Europa e na OCDE, representando apenas 54% (os restantes 46% ficam a cargo das famílias e dos estudantes). O valor médio na União Europeia é de 78,1% e nos países da OCDE de 69,7%.

Em 2012, as propinas representavam 18% do total da receita arrecadada, nas universidades cerca de 17% e nos politécnicos cerca de 22%. O Bloco de Esquerda, logo no início desta legislatura, endereçou uma pergunta por escrito a todas as Instituições de Ensino Superior Públicas questionando o peso das propinas nos orçamentos anuais. O resultado ditou uma média de 23%, em 2015.

Estes dados comprovam que, ao contrário do que foi dito aquando da implementação da política de propinas no Ensino Superior na década de ’90 do século passado, as propinas não servem para melhorar a qualidade de ensino mas são hoje um recurso para pagar salários e despesas correntes das instituições.

São milhares os jovens que não chegam a equacionar ingressar no Ensino Superior pelas óbvias dificuldades de pagar mais de 1000 euros de propina.

As propinas são um obstáculo a qualquer sistema de ensino superior democrático e inclusivo, não abdicando desta posição de princípio. Urgem medidas atenuantes que permitam limitar a pressão sobre os estudantes e suas famílias, garantindo a sua permanência no sistema de ensino.

São milhares os jovens que não chegam a equacionar ingressar no Ensino Superior pelas óbvias dificuldades de pagar mais de 1000 euros de propina. Ainda que os mecanismos de Ação Social possam ser melhorados, otimizados (desde logo, garantir um prazo máximo para a atribuição e transferência da primeira tranche das bolsas de ação social), isso não resolve o problema de base: o Estado, no que toca ao ensino superior, não está a respeitar o preceito constitucional que determina como dever do Estado: “Estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino” – alínea e) do artigo 74ª da Constituição da República Portuguesa.

O espírito da Constituição da República Portuguesa e do Estado Social como garante da igualdade de oportunidades passa por um Estado financiador dos serviços públicos. Só assim se alcança a universalidade e a progressiva gratuitidade do Ensino.

Nesta legislatura, o Bloco já levou a debate várias iniciativas legislativas sobre o tema. Uma delas tem como objetivo estabelecer um mecanismo que facilite o pagamento das dívidas dos estudantes às instituições e, ao mesmo tempo, que permita aos estudantes concluírem os seus cursos e ingressarem desafogadamente no mercado de trabalho. Um mecanismo, naturalmente transitório, que dê condições aos estudantes em situação de comprovada carência económica para frequentarem com aproveitamento o Ensino Superior, poderem iniciar o seu percurso profissional e iniciarem só então o pagamento das suas dívidas às instituições. O debate sobre o fim das propinas está na ordem do dia e urge tomar medidas concretas para evitar uma progressiva mercantilização do Ensino Superior e exclusão dos estudantes com maiores dificuldades económicas. É, por isso, hora para todos aqueles e aquelas que se intitulam por um Ensino Superior livre de propinas que tomem posição sobre o que está em cima da mesa.


Artigo publicado no P3 do jornal Público.

Sobre o/a autor(a)

Museólogo. Investigador no Centro de Estudos Transdisciplinares “Cultura, Espaço e Memória”, Universidade do Porto
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