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Produção agrícola: essencial ao país ou alvo a abater?

A pergunta impõe-se perante as alterações institucionais nos domínios da agricultura, das florestas e do desenvolvimento rural, bem como dos protagonistas que aí assumem maior responsabilidade.

Comecemos pelo Ministério da Agricultura, liderado agora por Maria do Céu Albuquerque, figura proeminente no aparelho socialista, mas de quem se não conhece uma única ideia sobre a pasta que agora assume. Dir-se-á, algo perversamente, que ficando o atual Ministério da Agricultura sem a responsabilidade da política florestal e sem a tutela dos fundos comunitários para o espaço rural, o estrago nunca será grande… Mas será estrago, com certeza.

Por outro lado, olhe-se para atual Comissão da Agricultura e Mar, na Assembleia da República. Uma das duas vice-presidências foi atribuída a Assunção Cristas - que também se coordena a si própria na bancada CDS-PP, nessa Comissão. O currículo da senhora, como Ministra da Agricultura em anterior governo não é grande cartão de visita para as novas funções… Por outro lado, a nova coordenadora da bancada do PSD na Comissão, Emília Cerqueira, é mais conhecida por ter validado fraudulentamente a presença do deputado José Silvano em Plenário do que propriamente pelo brilho da sua participação nesta mesma Comissão, durante a anterior legislatura.

Tudo junto e aí temos um quadro de preocupante subvalorização institucional e política da agricultura e, de uma forma mais lata, do mundo rural.

A dispersão de atividades cruciais no mundo rural por vários ministérios é um erro a todos os títulos. Não se percebe, por exemplo, quem definirá os contornos técnicos dos avisos de candidaturas ao PDR2030, para agricultura. O Ministério da Agricultura? O Ministério da Economia? E sobre candidaturas que englobam simultaneamente produção florestal, produção agrícola e pastoreio? O Ministério do Ambiente que tutela as florestas? O ministério da Agricultura? Ou o Ministério da Economia? Ou quem tutela o Ordenamento do Território? Está criada a confusão.

Há quem defenda haver uma “lógica” por detrás destas mudanças. Não havendo qualquer ideia ou plano para a transição agroecológica, para adaptação da agricultura às mudanças climáticas, é provável que venha a ser alvo de crescentes críticas e ataques de uma também crescente consciência ambiental e ecológica. Dispersando por várias entidades áreas que têm ligações profundas, como a agricultura, a floresta e o espaço rural, o Governo pretende também dispersar o alvo para dificultar esses ataques. O raciocínio faz algum sentido e talvez explique muita coisa. Mas tem consequências deploráveis.

Por um lado, no nosso país, a agricultura tem de enfrentar os desafios ambientais que estão colocados e não pode fugir deles: é preciso produzir mais e de forma mais sustentável variedades compatíveis com as alterações climáticas em curso, com menos água, menos agroquímicos e menos erosão dos solos. O Estado é essencial para a prossecução destes propósitos, sobretudo pelo proximidade e apoio que deve assegurar à pequena agricultura familiar.

Por outro lado, políticos responsáveis não podem omitir perante o país o pesado encargo que recai sobre os agricultores, o de produzirem em proximidade e colocarem diariamente alimentação adequada no prato de milhões de portugueses e portuguesas. E valorizá-los publicamente nessa nobre tarefa, respeitando-os e assegurando-lhes rendimentos dignos.

Dito de forma crua: a produção agrícola é indispensável e são inaceitáveis quaisquer estratégias mais ou menos conjunturais para “apagar” o sector. A não ser que se pretenda alimentar o país com base em importações, nomeadamente da União Europeia, com enormes custos ambientais, aumento da pegada de carbono e desequilíbrio da balança comercial.

Tem de prevalecer o entendimento de que agricultura, a floresta, a pecuária e, de uma forma geral, as atividades em espaço rural têm um papel essencial na economia, no ambiente, no ordenamento do território e na promoção da equidade entre regiões.

Separar ou enfraquecer perante desafios tão complexos e difíceis será sempre uma má resposta. Cedo ou tarde, o país irá pagá-la. Sobretudo os mais fracos.

Sobre o/a autor(a)

Engenheiro técnico de comunicações. Dirigente do Bloco de Esquerda
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