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A procissão

Passos Coelho deveria saber que a última coisa que os seus convivas desejam é que a imprevisibilidade desembarque em São Bento.

Pedro Passos Coelho (PPC) ouviu primeiro de Cavaco Silva. “Tenha juízo”, deve-lhe ter dito este naquele seu tom martelado e letra e letra. Vieram depois as declarações de Durão Barroso que devem ter irritado meio baronato laranja, de tão elogiosas que eram de José Sócrates. A coisa prosseguiu esta semana com os chefes do Partido Popular Europeu, agremiação do “Consenso de Bruxelas”, a que pertence o PSD. Todos à uma ou à vez, disseram ao líder laranja o que um líder laranja deve fazer nas actuais circunstâncias – “ter juízo e não fazer ondas”.

Como parece não ser clara a disposição de Pedro Passos Coelho, a procissão continuou, ininterrupta, ao longo de quarta-feira. Foi primeiro Pina Moura, que sabe tanto de negócios como de política e logo em seguida quatro banqueiros que tratam da política como se fosse um negócio. Como se sentirá o homem da Lapa? Será que se sente desejado, como alguém que subiu a montanha e chegou aos píncaros da fama? Estará ele cheio de si, como quando jurou chumbar um Orçamento com aumento de impostos? Ou, pelo contrário, sabe que corre para nenhures e que recebe como quem gesticula porque, aprisionado pelo destino, procura pateticamente adiar o inevitável? Confesso a minha dúvida e mais ainda que a dita me não tira o sono. Há algo de absurdo em todo este filme. Passos Coelho deveria saber que a última coisa que os seus convivas desejam é que a imprevisibilidade desembarque em São Bento. Pior, ele tem a obrigação de intuir que a sua liderança não vale um euro caso se desvie do guião escrito em Bruxelas. Não vale um euro lá fora como não vale um voto cá dentro se desestabilizar a sacrossanta campanha presidencial de Cavaco Silva. Então porque raio? A que se deve esta vertiginosa vocação suicidária da prometedora direcção PSD que ainda em Julho galgava todas as sondagens? Só vejo uma explicação: PPC procura cobrir as suas desvairadas declarações iniciais sobre impostos e despesas com uma cadeia de acontecimentos que melhorem o seu preço na viabilização orçamental. Qual é o problema desta táctica desesperada? É que no poker como na vida só faz bluff quem soube esconder a sua mão. Ora a de PPC nem um par de duques vale.

Pergunta de algibeira: até agora a estimativa de crescimento para o PIB em 2011 era de 0,5 por cento. Chegou entretanto o PEC III que o próprio governo reconheceu ter efeitos recessivos. E no entanto... a estimativa para o PIB em 2011 continua inamovível como uma rocha. Milagre? Ninguém crê que Sócrates ou Teixeira dos Santos sejam capazes de tanto. Na verdade, ambos colocaram todas as fichas nas exportações alemãs. Sucede que os 25 restantes governos da UE também. Como não vai chegar para todos, alguém se está a enganar ou nos está a enganar. Ou estarei eu enganado?

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputado, dirigente do Bloco de Esquerda, jornalista.
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