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Prioridade ao altar

Lisboa é a cidade que gastará até 35 milhões de euros (previsão até ao momento) num evento religioso, dos quais já mais de 6 milhões são para, apenas, um altar e a sua fundação de estrutura. Estes valores trazem para cima da mesa o debate sobre as prioridades do executivo da direita para a cidade.

Lisboa é, hoje, uma das cidades mais caras do mundo para viver, os preços de habitação são já absolutamente incomportáveis para uma larga maioria da população. Lisboa continua a não conseguir dar uma resposta adequada a várias dezenas de pessoas em situação de sem abrigo. Lisboa ainda mal executou os apoios prometidos a famílias e empresas pelos prejuízos causados pelas cheias de dezembro. Lisboa, perante a situação de grande degradação de uma parte significativa da habitação municipal, está aquém de executar aquilo que o atual executivo apelida de “maior investimento de sempre em habitação” (42 milhões de euros em 4 anos).

Mas, perante tudo isto, Lisboa é a cidade que gastará até 35 milhões de euros (previsão até ao momento) num evento religioso, dos quais já mais de 6 milhões são para, apenas, um altar e a sua fundação de estrutura. Os valores em causa estão a deixar muita gente estupefacta, levantam dúvidas e, acima de tudo, trazem para cima da mesa o debate sobre as prioridades do executivo da direita para a cidade, bem como uma discussão relevante sobre contratação pública e escolhas que são feitas neste âmbito.

1. Em primeiro lugar, estamos a falar de um evento religioso em que é o Estado e vários municípios a terem gastos de milhões de euros com infraestruturas e tudo o que acarreta receber mais de um milhão de pessoas. O governo vai gastar 36 milhões e a Lisboa 35 milhões, mais de 70 milhões num evento religioso. Já tivemos melhores dias para o Estado laico.

2. Em segundo lugar, sobre a escolha por um ajuste direto de quase 5 milhões de euros. É importante ter em conta que se alteraram as regras especificamente para o evento em causa (Jornada Mundial da Juventude - JMJ), em sede de orçamento do Estado para 2022 e para 2023. Devemos, desde logo, questionar este método. O Código de Contratação Pública não é genial, aliás sofreu alterações recentes com as quais discordamos porque também abriam espaço a menos transparência. Mas abrir mais exceções deste género torna tudo ainda menos transparente e permeável a críticas mais do que justificadas.

3. Em terceiro lugar, os valores gerais de que falamos a gastar pela CML neste evento religioso. A CML indica que gastará até 35 milhões de euros, previsão até ao momento. E teve de pedir um empréstimo de 15 milhões de euros e só o Bloco de Esquerda votou contra esse empréstimo. Parece muito dinheiro?

É porque é mesmo muito dinheiro. Em especial, quando a cidade de Lisboa atravessa uma crise, tal como todo o país, que está a ter impactos brutais na habitação e no aumento do custo de vida para a população.

Como referido anteriormente, e para termos uma ideia para comparação, a CML arroga-se do “maior investimento de sempre em habitação municipal” que prevê 42 milhões de euros para 4 anos. O estado de uma larguíssima maioria do edificado municipal está numa situação lastimável: décadas de desinvestimento, casas que têm mais humidade do que tinta nas paredes, infraestruturas como elevadores permanentemente avariados, infiltrações, etc.

O que seria se a CML dos Novos Tempos estivesse tão prontamente disposta a investir 35 milhões de euros no seu parque habitacional. Ou em medidas de apoio à habitação jovem. Mas não, a prioridade vai para um evento religioso. Prioridade ao altar, enquanto se vê a procissão da crise habitacional.

Muitas vezes ouvimos que o dinheiro não estica, não se pode investir em tudo ao mesmo tempo. Mas o problema é que há dinheiro, como bem se vê. O problema é mesmo de prioridades

Questionei esta semana a CML sobre que parte dos 35 milhões de euros iria ser gasto em mitigar os impactos que este evento terá na cidade. As respostas foram, também, pouco claras até ao momento. Aliás, o Bloco de Esquerda na Câmara pede, desde 25 de julho de 2022, informações detalhadas sobre os custos da JMJ, até ao momento sem sucesso.

4. Em quarto lugar, o argumento peregrino de que o palco/altar de mais de 4 milhões servirá para futuros eventos. Sendo que já todos e todas vimos as imagens do dito palco/altar, percebe-se facilmente que esse desejo da direita de tentar fazer acreditar que aquilo servirá para outros eventos é apenas isso, um desejo.

Muitas vezes ouvimos que o dinheiro não estica, não se pode investir em tudo ao mesmo tempo. Mas o problema é que há dinheiro, como bem se vê. O problema é mesmo de prioridades. Os Novos Tempos têm deixado bem claras as suas prioridades: os investidores imobiliários que potenciam a crise de habitação; unicórnios e outros efabulamentos que concorrem para a especulação de preços na cidade; eventos religiosos em que são gastas quantias absurdas de dinheiro público.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Licenciada em Ciências Políticas e Relações Internacionais e mestranda em Ciências Políticas
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