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Primeiro de Maio: presentes!
As comemorações do Primeiro de Maio soltaram uma acirrada onda de críticas, expondo muitas vezes a ignorância de muitos comentadores sobre as condições em que nós, os trabalhadores que têm assegurado serviços fundamentais, continuámos sempre a trabalhar desde o início da crise, e também um indisfarçável preconceito contra a ação sindical e a importância de assinalar este dia.
Num momento de crise sanitária, social e económica, a importância de assinalar o primeiro de maio era inegável
Na minha empresa, apesar da luta que travámos para que as equipas fossem organizadas de modo estanque, só a custo as chefias acordaram para as medidas necessárias do ponto de vista sanitário. E muitos dos precários que aguardavam a sua vinculação por via do PREVPAP viram os seus processos suspensos, com outros trabalhadores em outsourcing a serem chamados, como carne para canhão, para desempenhar as suas tarefas. Por que razão nós, que todos os dias saímos de casa para trabalhar e para cumprir as nossas funções, não poderíamos assinalar, também fora de casa e com outros, este dia? E onde estavam tantas vozes indignadas com as ações sindicais que existiram em todos os distritos, quando o líder da UGT e as confederações patronais pediram que se retomasse a todo o gás a atividade económica, já lá vão duas semanas e estava ainda a pandemia no pico?
Num momento de crise sanitária, social e económica, a importância de assinalar o primeiro de maio era inegável. Está aí uma vaga de abusos patronais, despedimentos, incumprimentos de direitos laborais e até de fraude às medidas de apoio às empresas. Mais 57 mil desempregados só em abril, a maioria dos quais desprotegidos, mais de um milhão de trabalhadores em lay-off, centenas de milhares de precários sem apoio, recibos verdes a receber valores abaixo do limiar de pobreza e a serem condenados à miséria. Estes dados estão, aliás, sistematizados num trabalho para o qual temos colaborado, o site despedimentos.pt, que o Bloco de Esquerda em boa hora lançou e que recebeu já denúncias relativas a mais de 100 mil trabalhadores. Neste cenário, reforçar a luta dos trabalhadores, adaptando-a ao novo contexto, reforçar as estruturas representativas e redes de apoio e solidariedade é fundamental.
Achámos por isso bizarra a ideia de que não teríamos estado onde, como toda a gente sabe, estivemos
É óbvio que não poderia haver, este ano, lugar às tradicionais manifestações de rua abertas a todos os trabalhadores. Por isso mesmo, na discussão interna que existiu na CGTP, propus, com um conjunto de outros quatro camaradas membros do Conselho Nacional da CGTP e dirigentes do Bloco de Esquerda, que este ano “se reforçasse a dimensão simbólica e a presença nas redes sociais”, garantindo sempre “as condições de segurança e saúde, conforme a DGS determina, por forma a não potenciar a propagação do vírus”. A sugestão foi acolhida pela Central. Numa missiva da secretária-geral, em resposta à nossa mensagem, foi garantido que seriam cumpridas “as condições de segurança e saúde, conforme a DGS determina”, tendo estas sido “acauteladas em articulação com a Ministra e Diretora Geral da Saúde”. Foi-nos também dito que, como sugeríramos, haveria “um amplo programa na Internet e redes sociais”.
Nos Aliados, no Porto, marquei presença em representação dos trabalhadores da RTP e dos precários que aguardam a sua vinculação. Comigo, além de outros dirigentes, esteve o meu camarada João Pedro Silva, dirigente do Sindicato da Hotelaria, membro do Conselho Nacional da CGTP e da Coordenadora Nacional de Trabalho do Bloco de Esquerda. O João Pedro, aliás, que tem tido um inesgotável empenho na denúncia da precariedade a que estão sujeitas as suas colegas trabalhadoras das cantinas escolares, cerca de 8 mil em todo o país, muitas delas descartadas pelas empresas intermediárias com o fecho das escolas, sem acesso ao subsídio de desemprego, vítimas da precariedade extrema que resulta do “outsourcing” que o Estado central e as Câmaras municipais fizeram destas funções, e cujas consequências laborais ficam agora mais à vista do que nunca. Seja nas cantinas das escolas ou na RTP. Nas ações de rua simbólicas e com presença limitada por todo o país, marcaram presença os meus camaradas do Conselho Nacional, dirigentes do SNTCT ou do SPGL. Achámos por isso bizarra a ideia de que não teríamos estado onde, como toda a gente sabe, estivemos.
Da CGTP recebemos a informação de que apenas quem tivesse as credenciais da União de Sindicatos seria autorizado pela Polícia a estar nestas comemorações simbólicas. Levámos essa regra a sério
Da CGTP recebemos a informação de que apenas quem tivesse as credenciais da União de Sindicatos seria autorizado pela Polícia a estar nestas comemorações simbólicas. Levámos essa regra a sério. Mas esse é, de resto, um aspeto que tinha de ter sido trabalhado de outra forma. Se a instrução era para valer, então eram os sindicalistas que estariam no protesto, e apenas aqueles que, eleitos como nós pelos seus colegas, ali os representavam simbolicamente. Se haveria outras pessoas a assistir, então os convites deveriam ter seguido para todas essas pessoas e organizações de forma transparente, incluindo para todos os partidos da esquerda de forma igual.
Pela nossa parte, orgulhamo-nos de ter participado deste primeiro de maio simbólico e na rua, e não esquecemos as nossas prioridades: um sindicalismo aberto e plural, com uma atenção redobrada aos precários e aos que estão nas margens dos sindicatos e das suas rotinas (recibos verdes, trabalhadores em outsourcing, trabalhadores das plataformas, trabalhadores e trabalhadoras informais), que responda contra os abusos já cometidos, que se prepare para a nova fase de retoma gradual da atividade e que não esqueça que já há centenas de milhares de trabalhadores que perderam o emprego e que, por estarem desempregados, não devem merecer menos atenção dos sindicatos.
É para essa luta toda que cá estamos.
Comentários
Não somos todos trabalhadores
Não somos todos trabalhadores? para se estar ao lado dos trabalhadores é preciso ser sindicalista ou ser radical? não nos identificamos todos com os abusos no trabalho, que tanto criticamos?
Em relação ao trabalho dos sindicalistas, tenho a dizer que agradeço a todos os trabalhadores: profissionais da saúde, funcionários dos supermercados e das farmácias, funcionários da limpeza e da segurança, todos os riscos calculados que correram para bem de todos nós. Da mesma forma agradeço aos sindicalistas que, simbolicamente, em época de confinamento, correram riscos calculados e assumiram as suas responsabilidades, pelo bem de todos nós. Não seria de esperar outra coisa, refugiar-se com a desculpa do confinamento seria incongruente e pouco compreensível, quando por razões igualmente importantes, outros trabalhadores estavam na rua. A covardia não é cartão de apresentação para quem luta por traçar linhas vermelhas no direito do trabalho, sobretudo numa época de regressão dos direitos laborais, com preocupações de sobretrabalho, abusos de vários tipos, no horário de trabalho, etc.
Obrigada portanto, sindicalistas, por não se terem deixado coagir moralmente pelo espantalho da radicalidade. Os direitos fundamentais não estão suspensos. O trabalho está sob novas formas de ameaça, esta pandemia trouxe novos argumentos para quem, de forma insidiosa, tem conveniência, nas linhas e nas entrelinhas, em ameaçar o mundo do trabalho. Agradeço a quem, correndo riscos físicos e morais, teve a fibra de defender os meus direitos, que são tão importantes e estão tão em risco, que quem tinha visibilidade para os defender, teve o vislumbre de perceber que não se defendem a partir do sofá, via satélite.
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