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A preferência de Marcelo

A devolução do diploma sobre direito de preferência desprotege os inquilinos e ocorre num momento em que a AR está fechada, impedida de responder com a rapidez que a situação exige. PSD e CDS aplaudiram, naturalmente.

Não há leis absolutamente perfeitas, todas são passíveis de melhoramentos que as tornem mais objetivas e adequadas aos seus fins, pelo que Marcelo Rebelo de Sousa poderá sempre fazer o exercício da procura de clarificação deste ou daquele aspeto de um decreto que lhe chegue à secretária e até devolvê-lo ao Parlamento com esse objetivo.

No entanto, a ponderação entre o benefício da promulgação de um diploma para a democracia e para a vida das pessoas, mesmo que passível de um ou outro ajustamento como acontece em múltiplos casos legislativos, e o agravamento de injustiças e dificuldades provocadas por omissões ou lacunas legais, não deve deixar de ser um critério essencial na decisão sobre um veto presidencial.

Neste caso, o veto presidencial choca com a prioridade atribuída pela maioria da Assembleia da República à resolução de uma lacuna na lei que impede os inquilinos de exercerem o direito de preferência, já previsto no Código Civil (artigo 1091.º), quando a venda dos imóveis é feita de forma agrupada, sem possibilidade de o arrendatário se candidatar à aquisição do próprio fogo onde reside.

Perante a onda de venda de imóveis em pacote, em que o caso da Fidelidade é apenas o exemplo mais mediatizado, o tempo de aprovação e promulgação de uma lei que conferisse garantias aos inquilinos de poderem exercer o direito de preferência, era um elemento fundamental. A devolução do diploma desprotege os inquilinos e ocorre num momento em que a AR está fechada, impedida de responder com a rapidez que a situação exige. PSD e CDS aplaudiram, naturalmente.

Marcelo considerou necessário clarificar os critérios de avaliação de cada fogo. Esta questão estava resolvida na iniciativa original do Bloco que determinava a obrigatoriedade de prévia passagem a propriedade horizontal antes da venda do imóvel, tornando os critérios de avaliação objetivos. PS e PCP optaram por possibilitar a venda independentemente de o imóvel estar ou não em propriedade horizontal, o que acabou por suscitar a alegada dúvida do PR.

A preferência do PR pelo prolongamento do tempo legislativo através do veto abriu todo o espaço para a concretização dos negócios em curso antes da promulgação das alterações ao Código Civil que até considerou positivas. Para Marcelo as alterações são positivas? Sim, na carta diz que são, mas há que dar prioridade aos negócios. O Parlamento terá de responder em Setembro e procurar encontrar uma solução, com urgência, de modo a garantir, contra a vontade das grandes companhias e fundos imobiliários, o elementar exercício do direito de preferência aos arrendatários.

Sobre o/a autor(a)

Docente universitário IGOT/CEG; dirigente da associação ambientalista URTICA. Dirigente do Bloco de Esquerda
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