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A precariedade não tem que ser o nosso futuro

O PS negociou com os patrões aumento da precariedade dentro de uma curta vida, já precária há tempo de mais. Resta-nos lembrar que tudo isto não é uma inevitabilidade.

“Receberão o privilégio de trabalhar na nossa equipa porque nós aqui não exploramos ninguém!”, foi dito num sketch e fez-nos rir às gargalhadas, representava uma espécie de primeira entrevista de “emprego”, que era intermediada por uma empresa de outsourcing, à qual davam o nome de Estagiário 4ever. Não descuidando o engenho e a arte necessários, o bom humor há-de ter sempre alguma conexão com a realidade, porque, na verdade, o retrato dessa mesma realidade é, por vezes, suficientemente anedótica.

A precariedade no emprego jovem tem já variadas expressões e, terá as suas consequências. Desde a sujeição a estágios após estágios, eternizados pela voz do empregador na necessidade dos jovens “empreenderem mais” porque as Universidades já não são suficientes, muitos deles acabam mesmo por passar anos em contexto real e efectivo de trabalho, contudo, sem serem remunerados, sem qualquer tipo de direitos. E claro, temos o mais recente cenário – muito típico da crise, onde não falta quem veja na desgraça uma oportunidade de negócio – que se passa quando os jovens se inscrevem nestas empresas ditas de outsourcing, que se dedicam ao negócio de “alugar pessoas”, mas que, na verdade, apenas visam o lucro à custa dos direitos dos trabalhadores e dos baixos salários, fomentando o mundo dos falsos recibos verdes, contribuindo para a ilegalidade do trabalho igual, salário diferente nas mesmas empresas, para os mesmos cargos.

A falta de atenção das gerações governantes para com as gerações mais jovens, tem contribuído para atirar os jovens para triste sina de viverem sem conseguirem ser responsáveis por nada mas, ao mesmo tempo, não poderem regressar à fase da adolescência, porque é, simultaneamente, cedo e tarde demais.

O PS foi até mais longe. Pelo facto de sermos jovens (e também não escaparam os desempregados de longa duração), ou seja, por caraterísticas ou condições que nos são completamente alheias – como a de ainda não termos tido tempo para trabalhar (ou termos atravessado por um crise de desemprego e que o regresso ao mercado de trabalho seja particularmente difícil, em certas idades) – para o PS significa, per se, que podemos ser livremente descartados até meio ano de trabalho.

Preferiu o PS negociar com os patrões o alargamento do período experimental, previsto no artigo 112.º do Código de Trabalho, de 90 para 180 dias para jovens à procura do primeiro emprego: 6 meses em que o trabalhador jovem está à prova do empregador e se não servir, irá embora sem qualquer tipo de indemnização ou compensação. Por aquele facto, no fundo, o da idade (apesar do segmento legislativo não ousar ser tão inconstitucionalmente claro e falar no “jovem à procura do primeiro emprego”), durante 6 meses devemos estar sujeitos a ser despedidos sem quaisquer direitos, sem aviso prévio, sem justa causa. O período experimental (maior ou menor) deixa de ter que ver com a complexidade do cargo exercício (critério também algo duvidoso, muitas das vezes, é certo) mas passa (também) a ter que ver com as características da pessoa e isso, há-de ser, certamente, algum tipo de discriminação intolerável à luz dos valores constitucionais. O PS negociou com os patrões aumento da precariedade dentro de uma curta vida, já precária há tempo de mais. Resta-nos lembrar que tudo isto não é uma inevitabilidade, a precariedade não tem que ser o nosso futuro.

Sobre o/a autor(a)

Jurista e autarca do Bloco de Esquerda
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