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“Portugal não é racista”. Mas e se fosse?

A questão não é a de determinar se Portugal é ou não racista, mas sim a de reconhecer que há racismo em Portugal e a de decidir se queremos um país onde pessoas são quotidianamente discriminadas e excluídas.

Portugal não é racista, mas, se fosse, haveria paradas ao estilo Klux Klux Klan, com máscaras e tochas, em frente às sedes de associações anti-racistas.

Portugal não é racista, mas, se fosse, haveria ameaças de morte a ativistas dos Direitos Humanos e representantes políticos.

Portugal não é racista, mas, se fosse, pessoas seriam assassinadas em plena luz do dia depois de ouvirem insultos como “Preto, vai para a tua terra” ou “Em Angola, matei vários como este”.

Portugal não é racista, mas, se fosse, todos os dias, pessoas de origem africana, asiática, indiana, brasileira e outras suportariam insultos e discriminações várias. Incluindo crianças.

Portugal não é racista, mas, se fosse, os estudos internacionais diriam que 62% dos portugueses manifestam alguma forma de racismo e acreditam que há “raças” mais inteligentes do que outras.

Portugal não é racista, mas, se fosse, as fachadas de edifícios e muros de escolas seriam pinchadas com afirmações racistas como “Portugal é branco”, “Fartos do cheiro a catinga” ou “Árabes e pretos fora”.

Portugal não é racista, mas, se fosse, a Comissão Europeia emitiria alertas sobre a infiltração de elementos racistas e de extrema direita nas polícias portuguesas. 

Portugal não é racista, mas, se fosse, o parlamento nacional teria um representante político, ou mais, a desvalorizar a violência contra as pessoas racializadas, a gozar com a discriminação, a promovê-la, incentivá-la e normalizá-la. Ou ainda a convidar uma deputada democraticamente eleita a «voltar para a sua terra» e a fazer manifestações contra o anti-racismo.

A questão não é a de determinar se Portugal é ou não racista, mas sim a de reconhecer que há racismo em Portugal e a de decidir se queremos um país onde pessoas são quotidianamente discriminadas e excluídas por terem uma cor de pele ou origem cultural diferente da maioria.

A questão é a de sabermos se queremos deitar para o lixo aquilo que nos define e une enquanto país e enquanto povo. Percebermos se queremos aceitar que os valores da igualdade, solidariedade e liberdade inscritos na Constituição da República Portuguesa sejam desprezados e substituídos pela perseguição, pelo ódio, pela violência.
É que se for esse o caminho temos no país quem treine diariamente e não esconda a ambição de um dia vir a ser um Lukashenko, um Erdogan, um Trump ou um Bolsonaro. É só abdicarmos do respeito pelos Direitos Humanos Fundamentais e da luta contra o racismo.

Constituição da República Portuguesa  
Artigo 13.º
(Princípio da igualdade)

 •    Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
 •    Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.


Artigo originalmente publicado em O Setubalense em 27 de agosto 2020

 

Sobre o/a autor(a)

Feminista e ativista. Socióloga.
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