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Portugal condenado ao neoliberalismo?

O neoliberalismo, muito à semelhança do seu bisavô oitocentista, é defensor de um darwinismo social, uma torção simplista das teses de Darwin, que impõe como lema “O mundo é dos mais fortes” e jamais “O mundo é dos solidários"…

Só o posso dizer sob a forma de questão, porque ela esconde o desejo de uma pujante resposta (maiúscula): NÃO! Alguns opinativos recusam-se a reconhecer a existência do neoliberalismo, sobretudo alegando que se tratam de políticas naturais que os nossos tempos exigem. Este é o primeiro ponto de definição do neoliberal: ele é determinista, acredita que o Homem não tem uma capacidade social de fazer escolhas e traçar futuros, afirmam-no para justificar os males do mundo (“Os pobres sempre existiram, paciência”). Digamos que o neoliberalismo, muito à semelhança do seu bisavô oitocentista, é defensor de um darwinismo social, uma torção simplista das teses de Darwin, que impõe como lema “O mundo é dos mais fortes” e jamais “O mundo é dos solidários", “O mundo é dos cooperantes”, “O mundo é dos criativos”, “O mundo é dos que sonham”… É este liberalismo aristocrático e retorcido que acaba transformado no regime torcionário dos nazis, os tais que acreditavam que uns já nasceram vencidos e outros em pedestais de glória. Na prática, o neoliberalismo é classicista e muito pouco democrático, aceitando a democracia como um jogo formal a ser usado para os seus fins.

No fim do século XX ele reapareceu, com tanta força e vivacidade que contaminou os partidos de esquerda sociais-democratas (não confundir com o PSD português), como o Trabalhista, na Inglaterra, regido por um falcão mascarado de pomba, Tony Blair. O neoliberalismo tem alguns idealistas convictos, que acreditam mesmo nas liberdades individuais acima de tudo, mas tendem a esquecer o papel do Estado como representante de toda a comunidade e como garante do bem comum. Exigem um Estado mínimo para que se garantam as liberdades máximas, mas esquecem novamente que os mais fracos serão facilmente predados pelos fortes “empreendedores” do costume. “Paciência”, dirão eles. Em Portugal, excluindo o cavaquismo, que as circunstâncias históricas não permitiram que se tornasse um neoliberalismo, houve as tentativas de Durão e Santana, incompletas por escassez de tempo, porém completadas por Sócrates, gémeo de Blair, um social-democrata sem qualquer convicção e mais um “empreendedor” a chegar ao topo da política.

O neoliberalismo tem os seus grandes patrocinadores na banca, os mais interessados na liberdade empresarial, de preferência sem qualquer regulação e critério. O seu poder financeiro é de tal ordem que não permitem senão um mini-Estado, só com uma força policial para não deixar as coisas descambar. De resto é preciso retirar direitos e dinheiro aos trabalhadores, para aumentar os lucros dos “empreendedores”, é preciso hostilizar a greve como se de um cancro se tratasse (nunca há greves boas para os neoliberais, a não ser em tese), é fundamental entregar as empresas estatais a consórcios monopolistas, mesmo que não se garanta melhores serviços para os consumidores, sob a forma dura da privatização (de tipo monopolista) ou estabelecendo acordos de concessão magnânimos (PPP), que garantem lucros eternos aos privados, à custa dos contribuintes. O Estado que é a materialização das democracias é um escolho, a não ser quando mete ordem nos grevistas e enquanto fonte de receitas através dos impostos.

Pedro Passos Coelho, com o típico percurso neoliberal de “empreendor”, decidiu fazer de Portugal um campo fértil de experiências. Vamos pôr os trabalhadores a trabalhar 40 horas por semana e pagar-lhes o mesmo que por 35. Vamos reduzir as pensões sociais e diminuir as obrigações fiscais das empresas. Vamos pagar a colégios privados, mesmo que ali ao lado exista uma escola pública com alunos em debandada. Vamos reduzir os hospitais e os centros de saúde a pó e fomentar os seguros pessoais. Em quatro anos os índices internacionais dizem que a desigualdade cresceu, ela que já era das maiores da EU. Mais uns anos de governação e poderíamos ser os EUA da UE, com os seus 40 milhões de pobres, a ausência de um sistema de saúde nacional, o racismo flagrante, as prisões (privatizadas) a abarrotar de gente e os assassinatos e tiroteios campais. Mas sem os porta-aviões, nem a bomba atómica. Eis o neoliberalismo no poder. Vejamos agora como se comportam os neoliberais remetidos para as sombras da política.

Sobre o/a autor(a)

Professor de História. Membro da Assembleia Municipal de Lagoa eleito pelo Bloco de Esquerda
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