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Porque é necessário encerrar 6 hospitais em Lisboa... imediatamente!

Existem dois grandes e graves problemas com o Centro Hospitalar de Lisboa Central: o primeiro é a qualidade dos edifícios onde opera; o segundo é a sua dispersão.

Talvez não saibam, mas o atual edifício do Hospital de S. José foi inicialmente construído no séc. XVI para ser um convento de Jesuítas. Em 1755, o grande terramoto destruiu o então Hospital Real de Todos os Santos (no dia de Todos os Santos...) e o Marquês do Pombal transferiu as suas instalações para o tal convento. Na altura, com a cidade destruída, esta transferência foi classificada como “temporária”. Pois é, o temporário dura há 263 anos!

Neste momento o centro de Lisboa possui um grande centro hospitalar – o Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC), que aglutina o Hospital de S. José, o Hospital de Santo António dos Capuchos, o Hospital de Santa Marta, o Hospital Dona Estefânia, a Maternidade Alfredo da Costa e o Hospital Curry Cabral. Cada um destes edifícios tem “especializações”, “vocações” determinadas que se complementam – Santa Marta é o hospital do coração e dos pulmões, a MAC é a maternidade, a Estefânia é o hospital pediátrico, os Capuchos o hospital das especialidades médicas, o Curry das cirúrgicas e São José é onde está a urgência polivalente e a maioria das unidades de cuidados intensivos e de doentes críticos. No CHLC existem todas as especialidades médicas, fazem-se todo o tipo de cirurgias, é um centro universitário onde se lecionam vários cursos na área da saúde e é neste momento o único hospital Português que transplanta todos os órgãos.

Existem dois grandes e graves problemas com o CHLC: o primeiro é a qualidade dos edifícios onde opera; o segundo é a sua dispersão. Quem os conhece sabe do que falo: situados no centro de Lisboa, todos estes edifícios estão velhos. A maior parte deles, à semelhança de São José, nem foi construído para ser um hospital. Os seus interiores foram sendo adaptados ao longo do tempo e em seu redor construídos anexos para suprimir a falta de espaço. Mas a necessidade de obras é permanente, a degradação de algumas estruturas não se consegue sequer disfarçar e os acessos são de bradar aos céus. Sendo uma das duas urgências verdadeiramente polivalentes do sul do país, a urgência de São José é um local onde são diariamente referenciados dezenas de doentes vindos de todo o sul de Portugal e ilhas. O problema é que São José está inserido num bairro histórico do centro da cidade, cujos acessos rodoviários são impróprios para ambulâncias e doentes – ruas estreitas de sentido único, paralelos, trânsito frequentemente congestionado e sem vias alternativas para ambulâncias em emergência. E é um dos dois locais de referência em caso catástrofe. Agora imaginemos o que acontece ao bairro antigo que envolve São José em caso de terramoto ou grande incêndio... As equipas de socorro ficariam rapidamente sem acesso a um dos grandes centros de trauma do país, em plena catástrofe! E nem sequer existe espaço para construir um heliporto.

O CHLC tem um problema maior e mais premente: a dispersão. Os 6 edifícios que o compõem estão separados e espalhados ao longo da cidade. Da urgência de São José ao Hospital Curry Cabral são 4,3Km de distância. Como cada hospital tem a sua “especialização”, isto significa que se um doente internado num dos edifícios necessitar de um médico ou fazer um exame noutro hospital... vai ter de ser transportado por ambulância. Doentes críticos em São José podem precisar de ir para o Curry, alguém internado nos Capuchos que tenha um enfarte tem que ir de urgência para Santa Marta sobre ruas de paralelos cheias de buracos; uma grávida na MAC que necessite de uma ressonância tem que ir para São José; um doente no Curry que precise de um Neurologista tem que vir aos Capuchos ou ir o Neurologista ao Curry; está nos Capuchos e precisa de diálise? Pode escolher entre ir para São José ou para o Curry; tem uma sessão de fisioterapia e uma consulta marcadas para o mesmo dia? Prepare-se para pagar vários táxis...

Não existe mais nenhuma alternativa viável para o CHLC que não seja encerrar e ser transferido para um edifício novo, construído de raiz, onde todas as especialidades, técnicas, internamentos e urgências estejam perto umas das outras. Onde a um doente que necessite de fazer um exame lhe baste descer um elevador; onde um enfarte do miocárdio chegue à sala de angiografia para ser tratado em menos de 5 minutos; onde um Gastroenterologista que necessite da opinião de um Pneumologista tenha apenas de subir 2 pisos, em vez de percorrer 3 km. O Hospital de Lisboa Oriental não é uma modernice, nem um conforto para os profissionais: é a única solução decente para os doentes serem tratados com rapidez e celeridade, sem o risco de um transporte em ambulância pelo centro da cidade e com a certeza que no caso de acontecer alguma catástrofe, não ficarão isolados do resto do mundo. Infelizmente o Estado decidiu que a construção do novo edifício seria feita em parceria público-privada, mas felizmente são só as instalações que serão construídas neste regime: o funcionamento clínico manter-se-á público e parte fundamental do Serviço Nacional de Saúde.

Existe obviamente um debate a ser feito sobre o destino destes edifícios históricos. Pelo menos um deles deveria permanecer no Serviço Nacional de Saúde, com uma urgência básica aberta para os habitantes do centro de Lisboa e com camas de cuidados continuados de retaguarda para o novo hospital. Mas este debate não deve, em situação nenhuma, atrasar a construção de um novo hospital.

O Hospital de Lisboa Oriental é uma necessidade urgente para milhares de doentes. Quem não percebe isto, não percebe nada do que são cuidados de saúde modernos, acessíveis e integrados. Quem utiliza o “bem-estar” da população para se opor ao encerramento do atual CHLC está apenas a fazer política populista e demagógica, não percebe nada das enormes dificuldades que hoje vivemos no CHLC e nem tão pouco quer saber o que é o melhor para os nossos doentes. Atirar areia para os olhos do povo, na esperança de obter ganhos políticos é irresponsável, deturpa a realidade e só contribui para atrasar a única coisa que pode melhorar os cuidados de saúde em Lisboa e em todo o sul do país.

Sobre o/a autor(a)

Médico neurologista, ativista pela legalização da cannabis e da morte assistida
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