A moção de censura é um desafio verdadeiro.
O Bloco de Esquerda afronta o governo pela sua natureza: falta a Sócrates a legitimidade de um programa, porque trocou aquele que apresentou em 2009 pela receita da austeridade de Merkel e do FMI, que os portugueses não escolheram. O resultado dessa receita é, em 2011, metade da força de trabalho do país tornada “desemprecária” e a aplicação de requintes de crueldade social no despedimento simplex. A moção é um desafio assumido: parar o governo, mudar a política, convocar a esquerda para um projecto de uma economia decente, que corte com os agiotas e com os beneficiários da crise - a começar pela banca que, protegida pelas leis do bloco central, aumentou os lucros em 2010 e pagou metade do IRC. Ao anunciar esta moção, o Bloco não está a torcer para que ela chumbe: vai levá-la até ao fim, para que todos assumam as suas responsabilidades.
A moção de censura não é uma corrida na esquerda.
O PCP anunciou há uma semana que estava a ponderar a apresentação de uma moção de censura. Depois de Jerónimo de Sousa enunciar essa possibilidade, no dia 4, o Bloco não o criticou. Pelo contrário, sublinhou que esta eventual moção só poderia ter plena “utilidade prática” (expressão de Louçã, sobre a possibilidade de dissolução do parlamento) depois da posse de Cavaco Silva para segundo mandato. Isso só ocorre a 9 de Março, a véspera da data que o Bloco marcou para a sua moção de censura. O que o Bloco rejeitou claramente (e de modo distinto do PCP) foi a colaboração com o PSD e o CDS se estes apresentassem moções próprias. Sobre isso, ficou esclarecido que “não nos colocamos na posição de facilitar a vida à direita”.
De resto, o Bloco e o PCP convergem na necessidade de censurar o governo a partir dos interesses populares subjugados. Coincidem mesmo na necessidade de substituir o governo e de encontrar para isso um protagonismo social e político novo, capaz de políticas de emprego contra a recessão, de distribuição da riqueza e não de promoção do despedimento fácil, dos salários baixos e do trabalho precário. A oposição de esquerda afirma que o governo chegou ao fim da linha. Não há nenhuma corrida para chegar a essa conclusão e a esse acordo: o liberalismo da direita não desculpa o liberalismo do PS. Há muitos milhares de novos pobres para explicar porquê.
Esta moção de censura é uma clarificação.
A votação da moção de censura deixará respondidas algumas perguntas essenciais. Quem governa? Quem é a maioria parlamentar? É portanto uma moção contra todas as políticas de direita e contra uma parceria permanente e indispensável em cada escolha essencial da governação liberal. Isso não a reduz a uma moção “a brincar”, destinada a perder. Se a direita a chumbar, termina a guerra de alecrim e manjerona entre PSD e PS: quem viabilizou o PECs e o orçamento, mantém o apoio ao governo, configura a sua maioria parlamentar e deve responder por isso.
Se a direita votar a moção, vamos a eleições. E então que paguem o PS e o PSD pelas políticas nocivas que são de ambos. Que as submetam à democracia do voto, coisa que não fizeram nas eleições de 2009. E que se levante uma nova maioria social e política, à esquerda, capaz de governar para um rumo novo no país, capaz de romper com Merkel e de enfrentar a crise partindo das necessidades populares. É para essa mudança que o Bloco existe.