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Populismo e presidenciais

Os debates das presidenciais, agora iniciados, mostraram-nos a persistência de um certo fenómeno político nestas eleições: o populismo.

Ele revela-se de múltiplas maneiras: na tónica indistinta na corrupção (Paulo Morais), na reivindicação da capacidade de interpretar diretamente o “sentir do povo” (Tino de Rans), na meritocracia como hipótese de organização social, tendo como paradigma o paleio do empreendedorismo, feito de start-ups bem-sucedidas e frases supostamente inspiradoras (Jorge Sequeira), nos apelos à “independência” como virtude (de Marcelo a Sampaio da Nóvoa).

Tornar a política mais politizada é o caminho que é necessário percorrer, não só para conter o populismo, mas também para dar consistência às necessárias formas de denúncia das desigualdades e das injustiças

Importa perceber que o populismo não é (apenas) um recurso demagógico. O facto de ele ser mobilizável – ao ponto de organizar o discurso, implícito ou explícito, dos candidatos – resulta da sua capacidade de atração. Hoje, o populismo é sexy. Ou seja, é sexy falar genericamente da “classe política” como coisa à parte; é sexy pegar no conceito de “corrupção” e tomá-lo como uma espécie de pecado primevo; é sexy entender os partidos como sendo todos iguais e acusá-los de constituírem uma corporação de interesses.

O certo é que o populismo tem sido, também, politicamente ineficaz. É verdade que José Manuel Coelho teve quase 5% nas últimas presidenciais e que Marinho Pinto surpreendeu nas eleições europeias. Mas mesmo este último - talvez a versão mais promissora do populismo luso - acabou por se afundar eleitoralmente nas últimas legislativas. Para além da inexistência de um lider carismático, a “hipótese populista” tem falhado em Portugal porque não tem conseguido afirmar dois aspectos essenciais: por um lado, não conseguiu criar espaços alternativos à intermediação política (parlamento, partidos, sindicatos), que pudessem ser receptáculo e amplificação do seu discurso; em segundo lugar, o populismo - sobretudo pela importante presença social das esquerdas, mas também pela inexistência dos tais espaços políticos que o conformem – tem sido incapaz de dar lastro e consistência a um discurso moral sobre a crise que seja externo, e até antagónico, a um discurso político sobre a crise.

E a verdade é que - mesmo sem grande sucesso eleitoral e sem grande capacidade de sedimentar um campo político – o populismo tem alimentado candidaturas. Porquê? Porque é o discurso que conjuga, como nenhum outro, denúncia e despolitização. É o discurso confortável que permite criar um “exterior” da política, que seria o lugar da autenticidade e da defesa do bem comum, e o “interior” da política, habitado por uma classe indistinta de oportunistas mancomunados. Tornar a política mais politizada é o caminho que é necessário percorrer, não só para conter o populismo, mas também para dar consistência às necessárias formas de denúncia das desigualdades e das injustiças.

Sobre o/a autor(a)

Historiador, doutorado em História, investigador do CES/UC.
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