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A política é de toda a gente

Numa resposta magistral a André Ventura, Quaresma lembrou-nos o essencial de estarmos juntos.

De Ricardo Quaresma já tivemos muitas alegrias e esta semana não foi excepção. Numa resposta magistral a André Ventura, Quaresma lembrou-nos o essencial de estarmos juntos. A proposta sem nome de André Ventura de um plano de confinamento específico para a comunidade cigana é só mais uma confirmação do que não precisamos. A contra-resposta de Ventura a Quaresma é uma súmula perfeita do programa político da extrema-direita: caladinhos, obedientes e com muito medo...

O deputado Ventura que foi eleito prometendo mundos e fundos para acabar com os privilégios é o mesmo que não abdicou de continuar a acumular salários, que não mexeu um dedo para combater as desigualdades num país em que os oito mais ricos possuem o mesmo que os 50% da população mais pobre

Vamos por partes. O deputado Ventura que foi eleito prometendo mundos e fundos para acabar com os privilégios é o mesmo que não abdicou de continuar a acumular salários, que não mexeu um dedo para combater as desigualdades num país em que os oito mais ricos possuem o mesmo que os 50% da população mais pobre, e é ainda o mesmo que se opôs ao fim da distribuição de dividendos na mesma altura que se despede ou que se recorre a lay-off. O suposto "moralizador" é uma farsa, já sabíamos. O problema é que o seu programa político não sai afectado dessa farsa e são duas as razões principais. Não sai afectada porque a única cultura política que interessa a Ventura é a do ódio e essa é a antítese da democracia. Quanto menos diálogo e menos argumentação melhor. Quanto mais autoritarismo melhor. O teste da exemplaridade não é necessário quando o ódio se sobrepõe ao resto. Essa é a primeira razão. A segunda é a dos princípios. A Ventura interessa-lhe o princípio da ditadura a minar a democracia, não lhe interessa uma sociedade onde prevaleça a convivência democrática, o conhecimento, as políticas sociais ou a educação. Mais uma vez, havendo "inimigos" que cheguem, pode dispensar-se o combate aos verdadeiros males do sistema, o que importa é o poder pelo poder, a humilhação pela humilhação, a mão pesada pela mão pesada.

É esta cultura do ódio e esta rejeição dos valores democráticos que tem feito com que países governados pelos mesmos princípios estejam a falhar redondamente no combate à crise pandémica. Basta olharmos, com dor, para o que se passa no Brasil e nos Estados Unidos. A direita extrema falha em toda a parte porque despreza a cultura democrática, a protecção de todos e a verdadeira partilha em sociedade. Se, em Portugal, tivéssemos de lidar com as propostas de Ventura não andaríamos longe. Nesta última demonstração da sua fraqueza, e numa ilustração claríssima do que escrevi acima, Ventura quis ainda apelar às autoridades de futebol para que calem Quaresma. É louvável que Quaresma tenha falado e ainda bem que o fez. É louvável que ainda prevaleça o sentimento de que a política é de toda a gente e que toda a gente tem o direito de expressar-se publicamente. Sim, a política é de toda a gente, até de Ventura. A diferença é que com Ventura não há alegrias. É mesmo tudo uma tristeza...e muito ódio.

Artigo publicado no jornal “Diário de Notícias” a 8 de maio de 2020

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputada, dirigente do Bloco de Esquerda, socióloga.
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