A política da pobreza

porJessica Pacheco

14 de fevereiro 2023 - 22:29
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Os Açores são a região mais desigual do país e com a segunda maior taxa de risco de pobreza. O ódio ao RSI e aos seus beneficiários contribuiu para estigmatizar estas pessoas e potencialmente inibir a procura por este apoio.

A situação socioeconómica da região é preocupante, mas também reveladora das políticas adotadas que têm contribuído para este cenário.

Segundo o vice-presidente do Governo Regional, o complemento ao abono de família configura “um apoio direto relevante para as famílias açorianas, designadamente para fazerem face às despesas e encargos mensais com as crianças”.

Mas na realidade este valor corresponde a pouco mais de 20€, pagos duas vezes por ano, e que terá em 2023 um aumento que ronda os 3€.

Se por um lado este valor é claramente insuficiente, por outro verificamos que o cabaz alimentar aumentou 5,04% em 12 semanas, um valor superior à taxa de inflação em 2022.

Os Açores são a região mais desigual do país e com a segunda maior taxa de risco de pobreza, mas o Governo aposta numa política de redução do IVA e redução transversal de 30% no IRS. O combate à desigualdade não se alcança através da redução transversal no IRS, que vai beneficiar quem mais recebe em detrimento da progressividade e respetiva redistribuição para quem mais precisa.

Lembram-se da descida do IVA na região de 18% para 16%? Quem verdadeiramente sentiu esta redução na carteira? Podemos aprender com a nossa vizinha Espanha que decidiu aliviar o IVA dos produtos alimentares, para fazer face à inflação, mas bastaram 15 dias para verificar que o preço do cabaz alimentar aumentou, com alguns produtos a escalar cerca de 60%, engolindo o IVA dado pelo Governo espanhol. Mais uma vez a alface durou mais que as políticas populistas liberais de baixar os impostos de forma cega.

Por cá, continuamos com relatórios de monitorização de preços apenas na ilha de São Miguel e em 15 produtos escolhidos a dedo, imutáveis e que deixam de fora alimentos hortícolas, frutícolas e outros essenciais que fazem parte da alimentação dos açorianos e açorianas.

É evidente que na região mais desigual do país se deva apostar nas transferências sociais para se evitar uma situação mais grave de pobreza, mas o ódio ao RSI e aos seus beneficiários contribuiu para estigmatizar estas pessoas e potencialmente inibir a procura por este apoio. Assim, continuaremos com uma pobreza envergonhada e com indicadores assustadores que necessitam muito mais que reflexões.

Não podia terminar sem falar do Programa Mais, um apoio às empresas para incentivar aumentos salariais, com um custo de 10 M€, abrangendo 55 mil trabalhadores. Isto servirá para compensar as empresas pela subida do salário mínimo em 2023 e tentar “estimular” ao incremento do salário médio, através de um pagamento único de 174€ por trabalhador. Qual o estímulo para subir o salário médio, se vão receber na mesma os 174€ pela atualização do salário mínimo?

Para além disso, este apoio é para todas as empresas, independentemente da sua dimensão e lucro. Era mesmo necessário este apoio para todas as empresas?

Os Açores precisam de políticas de atuação rápida para mitigar os efeitos imediatos da inflação e de políticas estruturais para alterar profundamente a situação de pobreza que se vive. É tempo de agir!

Jessica Pacheco
Sobre o/a autor(a)

Jessica Pacheco

Enfermeira e presidente da VegAçores-Associação Vegana dos Açores.
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