Está aqui

As políticas de desastre económico

Todos os dias leio mais um economista, um jornalista ou um membro de governo dando a sua opinião sobre como melhor conseguir a recuperação económica neste ou naquele país. Não é preciso dizer que todos os remédios se contradizem uns aos outros.

Mas quase todos estes especialistas parecem estar a viver no reino da fantasia. Parece que eles realmente acreditam que os remédios que sugerem vão funcionar num tempo relativamente curto.

O facto é que o mundo está só no início de uma depressão que vai durar por um bom tempo e vai ficar muito pior do que está agora. Para os governos, a questão mais premente não é saber como se faz a recuperação, mas como sobreviver à cólera popular que todos, sem excepção, estão a enfrentar.

Vamos começar com as realidades económicas do presente. Por todo o mundo, quase todos - governos, empresas, indivíduos - andaram a viver acima dos seus rendimentos nos últimos 10-30 anos, recorrendo a empréstimos. O mundo ficou eufórico com os rendimentos e o consumo inflacionados. As bolhas têm de estourar. Esta estourou agora (ou, na verdade, várias bolhas estouraram). A impossibilidade de prosseguir nesta via entrou profundamente nas consciências, e subitamente todos ficaram com medo de se verem sem dinheiro vivo - governos, empresas, indivíduos.

Quando esse medo se instala, as pessoas deixam de gastar, ou de emprestar. E quando o gasto e o empréstimo declinam significativamente, as empresas deixam de produzir ou fazem-no em marcha lenta. Podem fechar totalmente, ou pelo menos despedir trabalhadores. É um ciclo vicioso, já que fechar ou despedir trabalhadores leva à queda da procura e causa mais relutância em gastar ou emprestar. Chama-se depressão e deflação.

Por enquanto, o governo dos Estados Unidos, que ainda está em condições de pedir emprestado e de

imprimir dinheiro, tenciona lançar dinheiro novo em circulação. Isto poderia funcionar se o governo lançasse uma quantidade enorme, e se a lançasse de forma sábia. Mas, muito provavelmente, não vai fazê-lo sabiamente. E, muito provavelmente, lançar o montante que pudesse funcionar levaria a nada menos que criar outra bolha. E o dólar poderia então realmente cair muito mais rapidamente que outras moedas, derrubando o último importante sustentáculo da economia-mundo.

Entretanto, há cada vez menos dinheiro para o consumo diário dos 90% da população mundial que estão na base da pirâmide (e também não há tanto para os 10% do topo). As pessoas estão a ficar inquietas. Só no último mês, vimos pessoas nas ruas protestando contra as dificuldades económicas num crescente número de países - Grécia, Rússia, Letónia, Grã-Bretanha, França, Islândia, China, Coreia do Sul, Guadalupe, Reunião, Madagascar, México - e provavelmente muitos mais que não foram noticiados pela imprensa mundial. De facto, as coisas têm sido até relativamente suaves até agora, mas os governos estão todos muito tensos e temerosos.

Que fazem os governos quando a sua principal preocupação é lidar com a agitação interna? Na verdade, têm duas escolhas - disparar sobre quem protesta, ou apaziguá-los. Disparar só dá resultado até um certo ponto. Por alguma coisa os agentes da força precisam eles próprios ser muito bem pagos para estarem dispostos a fazê-lo. E quando há um sério retrocesso económico, não é tão fácil para os regimes arranjar estas coisas.

De forma que os regimes começam a apaziguar as suas populações. Em primeiro lugar, lançando mão do proteccionismo. Todos começaram a queixar-se do proteccionismo de outros países. Mas os queixosos estão todos também a praticá-lo. E vão fazer muito mais. Os economistas neoliberais todos nos dizem que o proteccionismo torna ainda pior a situação económica global. Provavelmente é verdade, mas, politicamente, isso é irrelevante, quando há pessoas nas ruas a querer empregos - agora!

A segunda forma de os governos apaziguarem as pessoas, quando há descontentamento, é através de medidas social-democratas de bem-estar social. Mas, para isso, os governos precisam de dinheiro. E os governos arranjam dinheiro através dos impostos. Todos os economistas neoliberais dizem que subir impostos (de qualquer tipo) durante uma retracção económica piora ainda mais a situação económica global. Isso pode ser verdade, mas no curto prazo também é irrelevante. Nessa situação, de retracção, as receitas fiscais caem. Os governos não conseguem manter sequer os gastos correntes, para não falar de aumentá-los. Por isso, vão aplicar impostos de uma ou outra forma. Ou imprimem dinheiro.

Finalmente, a terceira forma de apaziguamento é o uso de uma saudável dose de populismo. O intervalo entre o rendimento real existente entre os 1% de cima e os 20% de baixo no interior de países em todo o mundo cresceu enormemente nos últimos 30 anos. O intervalo vai agora ser reduzido para o valor mais "normal" que existia em 1970, que ainda é muito grande, mas de certa forma menos escandaloso. Assim, temos agora governos a falar de "tectos de rendimento" para os banqueiros, como nos Estados Unidos e a França. Ou pode-se processar pessoas por corrupção, como na China.

É um pouco como estar no caminho de um tornado. O pior pode cair sobre os governos subitamente. Quando acontece, eles só têm minutos para procurar abrigo. O tornado então passa, e, se ainda estivermos vivos, saímos para avaliar os estragos. O estrago vai-se demonstrar muito extenso. Sim, pode-se fazer a reconstrução. Mas começa então a verdadeira discussão - sobre como se faz a reconstrução, e como se reparte justamente os benefícios da reconstrução.

Quanto tempo vai durar esta imagem sombria? Ninguém sabe ou pode ter certezas, mas provavelmente será um bom número de anos. Entretanto, os governos vão enfrentar eleições, e os eleitores não serão simpáticos para os partidos de governo. Proteccionismo e bem-estar social-democrata servem aos governos da mesma forma que os abrigos servem durante um tornado.

A quase nacionalização dos bancos é outra forma de procurar abrigo.

No que nós, o povo, temos de pensar e de prepararmo-nos é o que faremos quando sairmos do abrigo, onde quer que ele esteja. A questão fundamental é como vamos reconstruir. Essa será a batalha política real. A paisagem será desconhecida. E todas as retóricas passadas serão suspeitas. A questão-chave que teremos de compreender é que a reconstrução pode levar-nos a um mundo muito melhor - mas também pode levar-nos a um pior. Em qualquer caso, será muito diferente.

Commentário nº 251, 15 de Fevereiro de 2009

Tradução de Luis Leiria

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo e professor universitário norte-americano.
(...)