A crise climática subiu para o topo dos assuntos no debate político. A subida de estatuto - de um assunto relativamente marginal para a ponta das prioridades - deve-se, essencialmente, à degradação das condições materiais e sociais, associadas ao fenómeno e à resposta política que este tem desencadeado, através da mobilização massiva de jovens, por exemplo.
O que está em causa não é menos que a própria sustentabilidade das condições materiais que permitem a continuidade da espécie humana. No entanto não podemos, apenas por isso, assumir que existe uma unanimidade no tipo de respostas necessárias ao problema.
A solução que tem lavrado pelo mainstream mediático e político redunda na máxima “planta o bem que o resto vem”. O conceito é simples: se queres mudar o mundo, tens que primeiro mudar-te a ti mesmo - a sociedade melhora se tu melhorares e assumires as tuas responsabilidades individuais; se trocares o consumo de plástico por outros materiais; se deixares de usar palhinhas, etc. Para além de ser de eficácia duvidosa, o que está subjacente a estas ideias é a negação do exercício da vontade democrática coletiva e, em última instância, da própria política.
Em termos concretos, estas ideias resultam quase sempre em medidas de policiamento das escolhas individuais de consumo, como a adoção individual de estilos de vida Zero Waste. Invariavelmente, medidas como esta incidem nas populações mais pobres, a quem, por escassez de recursos, é negado o acesso a alternativas de consumo mais sustentáveis, já que muitas vezes são também mais dispendiosas. Por outro lado, existem as iniciativas “eu faço”, onde o indivíduo apanha beatas nas praias ou planta árvores, por exemplo, com o intuito de expiar as transgressões ambientais.
Este policiamento moralista do comportamento individual e iniciativas “eu faço”, de modo algum atacam os centros de poder económico na nossa sociedade. É, aliás, cada vez mais comum empresas abraçarem estas iniciativas, de forma a desviarem as atenções dos resultados ambientais da sua atividade, através da adoção de uma imagem mais verde - o chamado greenwashing.
Em si, não existe nada de errado em adotar estilos de vida individuais mais sustentáveis, ou em participar em iniciativas “eu faço”, no entanto é preciso ter a noção que isso é totalmente insuficiente, enquanto resposta política, ao problema climático.
Em vez de se apontar baterias aos verdadeiros responsáveis pela crise climática, lutando por soluções estruturais de índole coletiva que vão ao núcleo das relações sociais, essas que precipitam as alterações climáticas, faz-se uma moralização e policiamento do comportamento individual.
Estas ideias, para além de serem de eficácia duvidosa, facilmente mergulham num caldo ideológico, onde germinam impulsos antissociais, misantrópicos, chegando, por vezes, a posições extremadas antinatalistas e até eugenistas. Na mundividência “planta o bem que o resto vem”, a clivagem política passa a ser entre os “bons” e os “que fazem coisas” contra os “maus”, definidos a partir do moralismo mais evangélico. A lógica deriva no: “se eu faço/assumo as responsabilidades e os outros não o fazem, é porque o outro tem algum tipo de desvio comportamental ou moral”. Estas ideias são no mínimo ineficazes e no máximo extremamente perigosas.
A resposta às alterações climáticas é indissociável das questões de classe, quando apenas 100 multinacionais são responsáveis por 71% das emissões de carbono. Sabemos, por isso, que a única resposta possível é a superação do modelo capitalista, assente na exploração das e dos trabalhadores e no extrativismo dos recursos do planeta.
Ao contrário da solução que, inclusivamente alguns partidos e fazedores de opinião, apresentam como viável, a resposta está, portanto, numa política onde convirja a justiça climática com a justiça social e não no policiamento dos comportamentos individuais de cada um. Plantar o bem não chega, é necessário mudar o sistema.
