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Pete Seeger: trovador da justiça e da verdade

Quando o entrevistei em agosto do ano passado, pedi-lhe que cantasse "We Shall Overcome", fê-lo, e disse-me: "Sim, é algo que é preciso recordar à raça humana. Não se rendam. Venceremos. Venceremos, algum dia..."

A vida de Pete Seeger inclina-se para a justiça, assim como o arco do universo moral que o Dr. Martin Luther King Jr celebremente invocou. Seeger morreu esta semana aos 94 anos. Durante grande parte do século passado cantou verdades a quem estava no poder, através da seu épica luta em defesa da justiça social, dos direitos civis, dos trabalhadores, do meio ambiente e da paz. As suas canções, as suas sábias palavras e o seu legado ressoarão durante muitas gerações.

Os pais de Pete eram músicos. As suas viagens pelos Estados Unidos permitiram aos seus filhos conhecer a música do ambiente rural norte-americano. Aos 19 anos, Pete trabalhava para o aclamado cantor de música folk Alan Lomax gravando e catalogando canções de música folk para a Biblioteca do Congresso. Aí conheceu Woody Guthrie, o lendário trovador da classe operária da época da Grande Depressão, que era pouco mais velho que ele. Seeger viajou com Guthrie, aprendeu a subir aos vagões dos comboios de carga e decidiu combinar a sua paixão em busca da justiça com o seu talento musical. Ele, Woody e outros músicos formaram o grupo Almanac Singers em 1940. Viviam de forma comunitária no bairro Greenwich Village, em Nova York, e procuravam viver da música. Pouco depois veio a Segunda Guerra Mundial.

Pete foi convocado para o Exército. Quando, em 2004, lhe perguntei sobre o serviço militar, recordou: "Ao princípio queria ser mecânico da Força Aérea. Parecia-me interessante, mas a segurança militar começou a interessar-se pela minha atividade política. Enquanto a minha unidade perseguia a glória e a morte, eu fiquei ali em Keesler Field, Mississippi, recolhendo pontas de cigarros durante seis meses. Finalmente, disseram-me: tinham estado a investigar-me e a abrir o meu correio". Mais tarde, Seeger foi transferido para Saipan, no Pacífico, onde organizava o convívio para os soldados convalescentes no hospital militar. Durante um período de licença na cidade de Nova York, Pete propôs casamento à sua noiva, Toshi Ohta. Toshi morreu no ano passado aos 91 anos, poucos meses antes do seu 70º aniversário de casados.

Depois da guerra, Pete formou um grupo denominado “The Weavers”, juntamente com outros três músicos. Converteram-se num êxito musical à escala nacional. Naquele tempo, a caça às bruxas do senador Joseph McCarthy contra os suspeitos de serem comunistas proscreveu a música de “The Weavers” na rádio. Seeger teve que prestar declarações no Comité de Atividades Antiamericanas da Câmara de Representantes a 18 de agosto de 1955. Assumiu uma posição de princípio, admoestando educadamente aos que o interrogavam: "Não vou responder a quaisquer perguntas sobre a minha associação, as minhas convicções filosóficas e religiosas ou as minhas convicções políticas, sobre em quem votei nas eleições, nem sobre qualquer assunto da minha vida privada. Acho que é inadequado formular essas perguntas a qualquer norte-americano, especialmente sob uma compulsão como esta".

Pete Seeger foi acusado de desrespeito ao Congresso, considerado culpado no julgamento e condenado a um ano de prisão. Ainda que a sua condenação tenha sido posteriormente revogada, no documentário "Pete Seeger: The Power of Song", o seu biógrafo David King Dunaway descreve o permanente assédio que Seeger sofreu por parte do FBI:

"O FBI perseguiu Pete Seeger até ao ponto de não conseguir emprego, só podia cantar às crianças, porque nunca pensaram que fosse um problema Pete Seeger cantar para crianças de 6 anos. Mal sabiam eles. Daí surgiu, não um movimento subversivo, mas sim um renascimento da música folk norte-americana, pelo que devemos agradecer ao FBI".

Em 1957, Pete Seeger conheceu outra pessoa que era vítima da vigilância e da intimidação do FBI: o Dr. Martin Luther King Jr. Conheceram-se no instituto Highlander Folk School de Tennessee e, depois desse primeiro encontro, Seeger ajudou Luther King e outros ativistas dos direitos civis a incluir a música nas suas táticas de organização. Foi aí que Seeger cantou pela primeira vez diante de Luther King a canção que viria a ser o hino do movimento pelos direitos civis: "We shall overcome" (Venceremos).

Tal como Martin Luther King, Seeger converteu-se num forte crítico da Guerra do Vietname. Finalmente, em 1967 retiraram-no da lista negra (em que tinha sido incluído na época de McCarthy) graças ao seu aparecimento no programa de televisão "The Smothers Brothers Comedy Hour", da cadeia CBS. No entanto, uma das suas canções, "Waist Deep in the Big Muddy", foi censurada pela CBS. A canção descrevia, de forma alegórica, a Guerra do Vietname como um atoleiro e descrevia o Presidente Lyndon B. Johnson como "um grande tonto" que "diz que há que continuar". A sua interpretação da canção finalmente foi transmitida no programa, meses mais tarde, após uma avalanche de protestos contra a cadeia de televisão.

Pete Seeger continuou a cantar a favor da paz, pelo desarmamento nuclear e, fundamentalmente, em defesa do meio ambiente. Fundou a organização sem fins lucrativos Hudson River Sloop Clearwater. Juntamente com outras pessoas, construiu um veleiro, chamado “Clearwater”, que foi utilizado para educar e promover a limpeza do rio Hudson, que se via da sua casa. Quando o entrevistei em agosto do ano passado, pedi-lhe que cantasse "We Shall Overcome", fê-lo, e disse-me: "Sim, é algo que é preciso recordar à raça humana. Não se rendam. Venceremos. Venceremos, algum dia..."

Em 1955, na audiência perante o Comité de Atividades Antiamericanas, perguntaram-lhe o que fez ao regressar da guerra. Ao que respondeu: "Continuei a cantar e espero fazê-lo sempre". E assim foi, e com as suas canções mudou-nos a todos.

Artigo publicado em Truthdig a 29de janeiro de 2014. Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna. Texto em inglês traduzido por Mercedes Camps para espanhol. Tradução para português de Carlos Santos para Esquerda.net

Sobre o/a autor(a)

Co-fundadora da rádio Democracy Now, jornalista norte-americana e escritora.
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