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As pensões acusam a direita

Arrisco dizer que o principal risco que a Segurança Social enfrenta é político. Andam por aí ideias do passado que teimam em perseguir os cofres da Segurança Social.

A almofada financeira da Segurança Social superou os 20 mil milhões de euros. Até parece mentira quando vem à memória a inevitabilidade de PSD e CDS em cortar 600 milhões de euros nas pensões em pagamento. Qual a receita para este volte-face?

O emprego é uma variável fundamental para as contas da Segurança Social. Mais emprego, significa mais receitas de contribuições. Por outro lado, menos emprego é sinónimo de mais despesas com apoios sociais, subsídio de desemprego, etc. O emprego criado desde 2015 aumentou as contribuições para a Segurança Social em cerca de 800 milhões de euros por ano. Esse reforço das receitas colocou as contas em terreno positivo: a receita prevista de quotizações e contribuições rondará os 8,6% do PIB em 2019, enquanto a despesa com pensões do sistema previdencial corresponderá apenas a 6,9%.

A Segurança Social beneficiou, ainda, da diversificação das suas fontes de financiamento. Há duas escolhas fundamentais que reforçaram o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (a tal almofada financeira). O adicional ao IMI sobre o património de luxo (ainda se lembra do imposto Mortágua que aterrorizou CDS e PSD?) já fortaleceu em 135 milhões de euros os cofres das pensões de todos nós. A consignação de uma parte do IRC para a Segurança Social corresponderá a mais 198 milhões de euros em 2019. A evolução da Segurança Social é um dos exemplos de sucesso que arruma de vez as teorias de terror económico da austeridade.

É certo que o sistema da Segurança Social enfrenta desafios que devemos avaliar com atenção e ponderar novas soluções. A demografia é um dos fatores de pressão, pois a evolução da natalidade coloca Portugal na cauda mundial (o nosso país teve a quarta taxa de natalidade mais baixa de toda a União Europeia) e o saldo migratório não compensa esta situação.

As alterações na estrutura de produção devem ser equacionadas no horizonte da Segurança Social. As perspetivas da robotização de processos produtivos, o desenvolvimento da inteligência artificial e os previsíveis aumentos de produtividade poderão pressionar negativamente o emprego e, consequentemente, as contas da Segurança Social. Novas ideias são necessárias, como o financiamento do sistema de pensões pela contribuição das empresas de capital intensivo, distribuindo socialmente os benefícios da evolução tecnológica.

A qualidade do emprego é outra das variáveis importantes para a Segurança Social. A informalidade nas relações laborais e a precariedade - tal como os salários baixos - representam riscos inequívocos. É por isso que o debate sobre o trabalho e a legislação laboral é parte fundamental desta análise.

Contudo, arrisco dizer que o principal risco que a Segurança Social enfrenta é político. Andam por aí ideias do passado que teimam em perseguir os cofres da Segurança Social. PSD e CDS já não dizem querer cortar as pensões em pagamento, mas ainda nos consomem com o discurso da insustentabilidade do sistema de previdência. A conclusão é óbvia: as preocupações da direita com a Segurança Social servem para criar desconfiança no sistema público e abrir as portas ao negócio privado. Plafonamento de pensões, criação de modelos mistos de contribuições entre público e privado, promoção das várias formas de PPR (Planos de Poupança Reforma), o cardápio é variado mas o resultado é sempre o esvaziamento do sistema público para beneficiar o sistema financeiro.

Poderá dizer que essa tem sido a história da Segurança Social, que sempre foi ameaçada pelos interesses de bancos e seguradoras. Sendo verdade, os últimos anos obrigaram a direita a mudar o seu discurso. Por exemplo, já não defendem a introdução de benefícios fiscais para os PPR privados porque facilmente seriam acusados de estar a financiar o sistema financeiro com dinheiros públicos. Estranhamente, é o PAN quem ressuscita essa ideia no seu programa eleitoral. Aliás, até acompanha esta medida com outras propostas que colocam em causa o respeito pelas carreiras contributivas e minam a confiança na Segurança Social. O sistema financeiro aplaude, com toda a certeza.

A Segurança Social está mais forte, mas alguns ataques continuam à espreita. Não podemos baixar a guarda.

Artigo publicado no jornal “Público” a 6 de setembro de 2019

Sobre o/a autor(a)

Deputado, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, matemático.
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