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Pelo fim ao fóssil: das escolas para as empresas

Pelos piores motivos, parece-se (re)abrir-se uma frente de batalha em que esta aliança entre o movimento climático e o mundo do trabalho se pode consolidar. O ministro fóssil, Costa e Silva, já anunciou a contraofensiva da exploração do gás, desrespeitando até a lei de bases do clima.

Desde 2019 que não víamos, em Portugal, um momento da luta climática capaz de furar o bloqueio político-mediático, gerar ampla simpatia, recentrar o debate e obrigar o governo a reconhecer o movimento como interlocutor legítimo. Vivam as ocupações de escolas pelo fim dos combustíveis fósseis!

Recuperando os métodos e o protagonismo das grandes greves climáticas pré-pandemia, o radicalismo das ocupas não surgiu como estranho e hostil à comunidade escolar, imposto de fora para dentro. Não apareceu como uma ação voluntarista de ativistas externos à comunidade a que se direcionava: agiu-se de dentro (das escolas) para fora (a sociedade). Organizou, dialogou, negociou e, quando necessário, recuou (em vista de mais e mais fortes ações futuras). O radicalismo foi o meio, a forma, de uma política, sem tentações de substituir a mensagem em si mesma. Os métodos radicais das estudantes vingaram, porque não apareceram como um fetiche militante nem um truque mediático, mas como a expressão legítima das preocupações de uma ampla comunidade escolar. Por isso, a mensagem passou e as ocupas foram vitoriosas. O movimento acumulou forças para as próximas batalhas, pois a luta continua.

Cercar o capital fóssil

Ao contrário do que muitas vezes se pensa, no mundo do trabalho, em particular entre quem trabalha na indústria pesada, altamente poluente, segue-se estes movimentos com atenção. Muitas vezes com simpatia. Não é difícil encontrar na indústria petrolífera, nos portos, na indústria automóvel, aeronáutica e aeroportuária simpatizantes desta luta. Inclusive entre ativistas, delegados e dirigentes sindicais ― ainda que menos nos núcleos-duros dos sindicatos. Ao contrário do que propagada a ideologia capitalista, os operários não são uns brutamontes egoístas, incapazes de ver para além do fim do mês. Recorrendo aos métodos testados desta vez pelo movimento climático ― a primazia da política, a flexibilidade tática, a disponibilidade para o diálogo e a negociação, o radicalismo como meio e não como fim ― vamos mobilizar estes aliados dentro da indústria fóssil, dos transportes e no mundo laboral em geral.

A principal ferramenta para forjar essa aliança foi já esgrimida pelas estudantes: os Empregos pelo Clima. Segundo o relatório desta campanha, elaborado por dezenas de investigadores e ativistas, com base no investimento público, “200 mil novos postos de trabalho podem cortar as emissões de gases de efeito de estufa em 85% num período de 10 anos.” Daqui, decorrem reivindicações como a redução do horário de trabalho, o investimento na ferrovia e na mobilidade elétrica, na eficiência energética e na formação profissional. Esta é uma base de diálogo fenomenal para, junto com ativistas e representantes laborais, desenvolver um programa de luta que penetre nos corações e mentes dos trabalhadores, industriais e não só, cercando o capital fóssil a partir de onde lhe dói mais: os fluxos de energia e de capital de que se alimenta vorazmente. Com base nesta abordagem, uma camada de ativistas e representantes sindicais, ainda que minoritário no início, pode mobilizar centenas ou milhares de colegas, gerar a simpatia de familiares e da comunidade, deixar sem argumentos os mais céticos e conservadores ― tal como se fez nas escolas. Isto não acontecerá do dia para a noite. Demora tempo e exige um trabalho cinzento, nada espetacular, de formiguinha, que incorpore as ideias e vontades de quem todos os dias labora na grande indústria e nos transportes. Mas o tempo em política não é linear: há momentos de saltos adiante, em que o trabalho lento de meses ou anos abre brechas por onde a luta irrompe, avançando-se mais em dias ou semanas que nos anos precedentes. É por aqui que se pode escalar a luta no mundo do trabalho, sabendo que as leis da luta social são tão inexoráveis como as da física; como estas, podem ser manipuladas com os métodos corretos (no caso, os da política), mas não com a mera vontade militante. A urgência requer precisão, tática e paciência, pois a pressa perde tempo.

Pelos piores motivos, parece-se (re)abrir-se uma frente de batalha em que esta aliança entre o movimento climático e o mundo do trabalho se pode consolidar. O ministro fóssil, Costa e Silva, já anunciou a contraofensiva da exploração do gás, desrespeitando até a lei de bases do clima. Por não ter como centro imediato o encerramento de infraestruturas já existentes, mas o combate a novas, esta luta contra o gás pode mais facilmente mobilizar a classe trabalhadora e ajudar a criar raízes nas suas comunidades e organizações. Para, daí, se avançar para as batalhas estratégicas do desmantelamento da indústria fóssil, criando milhares de postos de trabalhos pelo clima.

Sobre o/a autor(a)

Assistente editorial e ativista laboral e climático
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