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Pelo controlo democrático do sistema financeiro

Entre 2001-2011, os três maiores bancos privados em Portugal, distribuíram aos seus acionistas dividendos no valor de 4.300 milhões de euros. Estes são os mesmos acionistas e bancos que agora pedem ao Estado 4500 milhões de dinheiro público para a sua recapitalização.

Não há dúvidas que vivemos agora sob um novo regime - a ditadura da dívida. Todos aqueles que, ainda há pouco mais de um ano, nos diziam que não havia dinheiro no Estado para salários, estão hoje dispostos a entregar todo o orçamento da Educação, da Saúde e da Proteção Social aos mercados financeiros sob a forma de pagamento de juros e de amortizações de dívida pública. Todos aqueles que nos garantiam que a Troika era a condição para salvar o Estado e o país, estão hoje dispostos a reduzir esse mesmo Estado a uma única função: o cumprimento do serviço da dívida.

Reestruturar a dívida pública portuguesa é, por isso, uma condição necessária e essencial para combater esta ditadura e devolver ao país os recursos de que necessita para superar a crise. Perante a chantagem, não devemos exigir menos que uma anulação de parte do stock da dívida e a redução dos juros agiotas. E fazemo-lo com uma certeza! A certeza de que, contrário da austeridade, estas medidas não irão atingir mais ninguém a não ser os interesses financeiros.

Mas, para além da reestruturação da dívida, um caminho de esquerda para a crise só será possível com a recusa determinada da austeridade. Por dois motivos.

Em primeiro lugar, porque querer consolidar o défice em contexto de recessão económica, além de irracional, é criminoso. A realidade comprova que não existe consolidação orçamental sem a recuperação do emprego e da economia. Da mesma forma que não existe recuperação do emprego e da economia enquanto a consolidação orçamental for a prioridade.

Mas há outra razão, talvez mais importante. A austeridade deve ser rejeitada porque ela, com a sua narrativa, representa um ataque ideológico a todos os valores de esquerda.

A austeridade como ideologia vai além da redução do défice. A austeridade como ideologia ataca o trabalho, ataca tudo aquilo que é público e quer o retrocesso social. A austeridade como ideologia está no memorando da Troika, mas também no Pacto Orçamental Europeu. Está nas privatizações, mas também no novo Código do Trabalho.

Estou segura, por isso, que, na construção deste projeto transformador, capaz de devolver dignidade à economia, aos serviços público e ao trabalho, nos devemos opor de forma intransigente a todos os instrumentos ideológicos da austeridade. A todos os mecanismos que colocam a consolidação orçamental à frente das pessoas, e que investem na destruição de direitos sociais em nome de uma economia mais liberal.

Não temos soluções milagrosas para os tempos em que vivemos. Mas temos propostas. Propostas credíveis para resolver problemas concretos. E gostava de me focar numa, que diz respeito ao papel da banca na economia.

Entre 2001-2011, os três maiores bancos privados em Portugal, distribuíram aos seus acionistas dividendos no valor de 4.300 milhões de euros. Estes são os mesmos acionistas e bancos que agora pedem ao Estado 4.500 milhões de dinheiro público para a sua recapitalização. E fazem-no sem garantir o cumprimento das suas funções de financiamento e concessão de crédito à economia. Fazem-no enquanto deixam sem casa milhares de famílias por não serem capazes de pagar os seus empréstimos.

Se queremos sair da crise, se queremos apostar no sector produtivo, que cria valor e gera emprego, precisamos de um sector bancário ao serviço da economia. E quando digo economia, refiro-me, ao serviço das pessoas, do ambiente e da democracia. Para isso, há duas batalhas que temos de travar agora.

A primeira é impedir a privatização da Caixa Geral de Depósitos, aquele que ainda é o banco público.

A segunda, é ter a coragem de defender que todos os bancos privados que apenas sobrevivem à custa de capitais públicos passem a ser de facto públicos e, em conjunto com a CGD, a obedecer a prioridades de política económica.

O controlo democrático do sistema financeiro é uma condição essencial para um Governo de Esquerda.

Um Governo de Esquerda - independentemente de quem venha a fazer parte dele, e queremos que sejam muitas e muitos - implica a rejeição da austeridade enquanto ideologia.

A exigência na construção das suas bases não deve ser por isso confundida com sectarismo. Trata-se de clareza, de seriedade e de coerência ideológica. Coerência em torno de uma ideia de Socialismo.

(Intervenção à VIII Convenção do Bloco de Esquerda)

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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