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Paradoxos Eleitorais
Compreender o comportamento eleitoral dos cidadãos no acto de votação nunca foi uma tarefa fácil. E sobretudo em sociedades onde o individualismo se afirma como valor e realidade dificilmente contornável (o que está longe de ser necessariamente mau), é impressionante a multiplicidade de explicações que orientam o voto do universo de eleitores. Inúmeros paradoxos podem ser encontrados a este respeito. Peguemos então num que assume particular relevo dados os resultados eleitorais do último domingo: como é possível que, num momento de austeridade ímpar, o povo tenha confiado maioritariamente em quem defende nada mais, nada menos, do que ainda mais austeridade? No fundo, como é possível que em tempos de crise, a direita suba?
Embora impulsione oposição e resistência em alguns sectores, o medo perante o cenário de aumento da austeridade que se avizinha origina igualmente uma forte vontade de cedência na esperança que tudo volte rapidamente à normalidade conhecida. Assume-se assim que os sacrifícios virão, que serão injustos, que farão mal a muita gente, mas que serão o preço a pagar para que se regresse logo que possível à preciosa normalidade que tanta segurança nos inspira.
Uma segunda explicação que merece igualmente algum crédito, e que é complementar à que descrevemos acima, diz respeito ao clima de inevitabilidade. Ou seja, em linha com o discurso de que não há alternativa, de que não há outra solução, de que não há outro caminho possível, surge o sentimento de inevitabilidade. Ou seja, assume-se que as soluções austeras preconizadas são as únicas possíveis, como se a política económica deixasse subitamente de ser constituída por abordagens diferenciadas.
Em terceiro lugar, como importante contributo para o referido paradoxo, surge o contagiante desejo de que alguém “ponha ordem na casa”. Ou seja, no meio da confusão instalada, do caos que se adivinha e da contestação social quase certa, o desejo de ordem e até de algum “sossego social” ganham novos adeptos. Deste modo, sai naturalmente reforçado quem defende tais abordagens colaborativas por oposição a rupturas.
Como é evidente, o paradoxo acima está longe de esgotar as explicações sobre o que se passou no Domingo. Aliás, o presente texto começa precisamente por sublinhar a multiplicidade de razões que motivam o comportamento eleitoral. De qualquer modo, ajuda a demonstrar que, para além do caso a, da situação b ou do episódio c, conseguem existir explicações estruturais, de cariz quase psicológico, que ajudam a descodificar uma realidade muito pouco linear.
Comentários
Sou brasileiro mas já morei
Sou brasileiro mas já morei alguns anos em Portugal, e foi aí que aprendi um dito popular que me parece sintetizar uma cultura política hegemônica em ambos os lados do Atlântico: "antes o mal que se conhece do que o bem que ninguém sabe".
E aí se põe, talvez, um desafio incontornável para aqueles que desejem materializar historicamente uma alternativa emancipadora à lógica do "mal familiar": tornar conhecível, compreensível e aplicável para o conjunto da sociedade o "bem" que apregoamos...
Óptima análise Jesiel!!
Óptima análise Jesiel!!
a resposta é muito simples: o
a resposta é muito simples: o bloco não conseguiu passar a sua mensagem, não conseguiu explicar como é que o país continuaria em pé sem o dinheiro da troika.
Havia essencialmente 2 opções
Havia essencialmente 2 opções nestas eleições: a que pretendia a resolução da crise com a ajuda do FMI (PS, PSD e CDS) e a que pretendia reestruturar a dívida (defendida por CDU e BE). Estas forças não conseguiram explicar que reestruturar a dívida não resultaria na pobreza geral. Não conseguiram mostrar que havia alternativa ao FMI e, por isso, a sua mensagem ficou totalmente descredibilizada. Foi assim que fugiram os votos que o BE foi buscar ao PS em 2009. Porquê que a CDU manteve a votação? Porque o seu eleitorado é muito mais "fiel"...
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