Está aqui

Outra vez na berlinda

Usando e abusando da maioria absoluta, o Governo não vai cumprir a lei que regula o aumento das pensões e reformas, atacando os direitos de pensionistas e reformados, gente que já não produz, pouco importa.

Bem se levantaram vozes contra a manobra do Governo em não cumprir a lei 53-B/2006, 29 Dezembro, clamor vindo dos partidos e das associações representativas dos reformados. Uma indignação que caiu redonda no chão porque a máxima “quem pode, manda” falou mais alto. Sucederam-se, por parte das vozes críticas, as demonstrações para provar que não se tratava apenas do ano de 2023 que está em causa. O não cumprimento da disposição legal passará a afectar todos os anos posteriores que ainda viveremos e a uma decisão com este impacto não podem restar dúvidas senão chamá-la de fraude. Mas o Governo e o PS vivem bem com esta fraude, não será novidade. Em consequência desta decisão arbitrária (tomada por quem tem a força e a quem sobra arrogância), iníqua (porque discriminatória insistindo na marginalização dos pensionistas e reformados), insólita (não há memória de um governo decidir à revelia do que está legislado), injusta (porque ataca aqueles que na sociedade portuguesa maior dificuldade têm para organizar a luta), os reformados preparam-se agora para o ano de todas as vãs esperanças. A partir daqui os outros poderão melhorar, os reformados e pensionistas não.

os reformados e pensionistas têm de fazer ouvir a voz de novo

Reformados e pensionistas deviam descer à rua e se lhes falta a genica indispensável para se organizarem, não lhes faltam motivos para se juntarem a outros. Será que a luta de os professores não lhes entra pela porta? Seguramente que quando filhos e netos são envolvidos pelos problemas da escola, eles, reformados e pensionistas, também têm uma palavra a dizer. Será que a desorganização do SNS não os afecta? Sem dúvida, que apoiem então as reivindicações dos profissionais da saúde. E a insatisfação com os transportes públicos, não a sentem? Ou quando têm de partilhar a casa com algum filho ou neto, não equacionarão o problema da dificuldade em conseguir habitação própria que os seus enfrentam? Os reformados e pensionistas são parte de leão da sociedade civil (1/4), não vivem numa bolha, muitos não perderam a mobilidade, talvez tenha chegado o tempo de colectivamente se indignarem apoiando estas lutas na rua. Uma oportunidade para demonstrar a insatisfação e a angústia.

Mas a cereja no topo do bolo está aí. A Comissão Europeia instou (ontem, 16 de Janeiro) o Governo português a considerar um maior aumento salarial evitando a todo o custo alargar o diferencial existente entre os salários portugueses e os salários europeus. Embora a Comissão Europeia projecte directivas duvidosas para o mundo do trabalho, esta observação da CE é oportuna mas, para já, o Governo assobia para o lado, faz de conta que não percebe e nestas manobras é muito hábil. Bruxelas está “longe da vista, longe do coração” e a pressão de Bruxelas pode rapidamente “esvaziar”. Aumentar os salários, com certeza, mas também as pensões. Salários e pensões, o mesmo pacote. Como é que se pode sequer pensar no aumento dos salários e continuar a não considerar os pensionistas e reformados?! Impensável. O custo de vida não sobrecarrega apenas uns; a besta à solta, atinge todos, os no activo e os já retirados. É completamente injusto deixar os reformados e pensionistas de parte, como se não interessassem, como não contassem. Com limitada capacidade de reivindicação, é facílimo empurrá-los para o lado.

A ser assim, e é, então, significa que nos enterram vivos, tratam-nos como coisas sem sentimentos ou desejos, de forma desumana. Rapidamente, vêm-me à memória imagens terríveis da forma indiferente como os velhos são tratados em algumas instituições ou em algumas famílias. Todos os reformados e pensionistas têm direito a uma velhice tranquila, à segurança e o seu rendimento é o primeiro garante para essa pequena independência. A todos quanto ainda resta alguma energia não se podem remeter a um canto, conformados e tristes. A tristeza assenta bem a quem comete a ignomínia, não a quem a sofre. Organizados ou não nas associações representativas, os reformados e pensionistas têm de fazer ouvir a voz de novo.

Sobre o/a autor(a)

Bibliotecária aposentada. Activista do Bloco de Esquerda. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
(...)