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Ou é muita ignorância ou é muita arrogância

O “Movimento em Defesa da Escola Ponto” (ponto quê? o que é que este ponto quer dizer?) teve uma audiência com o Presidente da República e emitiu depois um comunicado. Tudo normal, não fora o comunicado reproduzir, com o detalhe das aspas, algumas palavras atribuídas ao Presidente.

Isto é inédito em quarenta anos e por uma razão muito evidente: quando um Presidente quer tornar pública uma posição, não manda dizer por um comunicado de algum grupo que tenha recebido. Quem visita o Presidente não se torna por isso seu porta-voz, por maior que seja o desvanecimento provocado pela visão das tapeçarias do Almada Negreiros no salão de espera. O Presidente fala por si, ponto, e quem sai de uma audiência em Belém só tem direito de exprimir a sua própria opinião e nunca a do Presidente, ponto.

Admitir que o Presidente manda dizer por outros o que acha e que, a páginas tantas da audiência, se viraria para o visitante e lhe diria, “oh xotor, pegue aí na caneta e tome nota das frases que lhe vou ditar para o seu comunicado”, ou é zombaria ou é estupidez. O dito Movimento usou e abusou de ambas as qualidades.

O problema posterior foi que, tendo alguém em Belém notado a indelicadeza, transmitiu o recado aos mesmos meios de comunicação social que tinham destacado o comunicado, explicando que o Presidente nada tinha que ver com o tal escrito.

Ora, perguntado, o porta-voz do Movimento veio reafirmar tudo, passando alegremente da prova da ignorância para a prova da arrogância. Que sim senhor, o Presidente tinha dito isto e aquilo, e que estava com eles, e que repetiam as suas palavras. Parece que o puxão de orelhas não foi suficiente e que a instrumentalização das hipotéticas palavras do Presidente era causa maior para o Movimento, como se não houvesse amanhã.

Não sei se algum dia este Movimento voltará a ser recebido em Belém ou por qualquer instituição mas, se for, será certamente sob a condição juramentada em cartório de não repetir a façanha. Entretanto, o tal porta-voz, que parece feliz com o cometimento, conseguiu prejudicar uma via de diálogo e a relação com a instituição que esperava influenciar, forçou o Presidente a um silêncio cuidadoso, além de conseguir passar pela vergonha na praça pública e de mostrar de que massa é feita a sua causa.

Logo depois, no domingo e com o uso das crianças em manifestação para reclamarem a renda dos proprietários dos colégios, ficou o retrato completo. Nada mau, não senhor, o ministro só tem que agradecer.

Artigo publicado em blogues.publico.pt a 29 de maio de 2016

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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