Os vistos e os escondidos

porMariana Mortágua

17 de dezembro 2015 - 14:34
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Os vistos gold são como os offshores. O problema não está no abuso, mas na sua existência, já que ambos os regimes foram criados para facilitar o abuso.

Não era difícil antecipar os resultados de um regime que escancara as portas do país e da Europa à entrada de capital estrangeiro mediante o "investimento" de 500 mil euros. Especulação, branqueamento de capitais, corrupção são apenas algumas das consequências previsíveis do esquema criado pelo Governo de Portas e Passos. À data, quando denunciávamos os perigos da coisa, éramos rapidamente acusados de uma qualquer estirpe de radicalismo ideológico. Quem não se lembra das promessas vitoriosas de Paulo Portas sobre os futuros postos de trabalho criados pelos visto gold? Está hoje por saber qual será o número maior: o dos empregos criados ou o dos arguidos na Operação Labirinto...

De acordo com o "Expresso", a associação Transparência e Integridade (TIAC) tenta há vários meses aceder ao relatório de auditoria dos vistos gold, na posse do Ministério da Administração Interna. Segundo a anterior ministra, Anabela Rodrigues, o documento estava inacessível por ser "segredo de Estado". A organização TIAC não aceitou a justificação para a recusa e recorreu à Comissão de Acesso de Documentos Administrativos (CADA), que reconheceu não ter poderes para avaliar aquela classificação do documento. Tanto a CADA como o Governo responderam que o pedido deveria seguir para a Entidade Reguladora e Fiscalizadora do Segredo de Estado (ERFSE), órgão da Assembleia da República.

Por coincidência, negligência ou falta de vontade, a ERFSE ainda não existe, embora tenha sido criada (no papel) há um ano. Resumindo: não existe em Portugal qualquer entidade capaz de avaliar a ocultação de documentos sob a classificação de "segredo de Estado". A própria ministra da Administração Interna afirma que o documento é apenas "confidencial" e não está sob "segredo de Estado". Sabe-se ainda que foi entregue ao Ministério Público e a um dos arguidos da operação Furacão, por via judicial. Segundo a notícia, quando confrontado com o pedido de um advogado para aceder ao relatório, o Ministério Público terá remetido a responsabilidade para a então ministra Anabela Rodrigues.

A confirmar-se todo este caso, fica à vista o erro que são os vistos gold, mas também a facilidade com que, sem qualquer escrutínio, o Governo PSD/CDS usou e abusou da figura de segredo de Estado para se proteger politicamente. Vale a pena relembrar que, a não ser que ponha em risco a segurança interna e externa do Estado, o princípio é a transparência na avaliação e publicação de documentos administrativos. A democracia precisa de meios para impedir que a nossa segurança comum seja um carimbo para proteger quem corrompe e se deixa corromper.

Artigo publicado em “Jornal de Notícias” a 15 de dezembro de 2015

Sobre o/a autor(a)

Mariana Mortágua

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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