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Os idosos contra o vírus II: para repensar depois da devastação

Os lares para idosos não são a única solução para uma população envelhecida, doente e sozinha a exigir mais cuidados, mais atenção, mais companhia.

Os lares como os associamos a esta designação tão comummente utilizada, são sobretudo para pessoas com menores rendimentos. Está tudo errado e o tsunami biológico que tentamos superar evidenciou sobremaneira.

A ideia que temos dos lares é má, deprimente, não é solidária, diminui-nos como seres humanos. Quando referimos lares, alguém consegue imaginar outra coisa senão espaços sobrelotados, zonas de convívio com as pessoas alinhadas em cadeirões à volta de uma sala, tristes, entregues a si próprios, numa contagem das horas interminável e dolorosa? Em que estarão aqueles idosos a pensar? Naturalmente na casa que deixaram – a sua casa; nos familiares que não verão tantas vezes como justamente ambicionavam; nas suas coisas, as fotografias queridas, um animal de estimação que ficou para trás, nos vizinhos, na indiscrição da sua janela. De repente, foi-lhes retirado esse mundo, muitos não terão sido consultados, a sua vontade não contou. Com a promessa de que no lar receberiam os cuidados necessários, aí estão, a imagem da contrariedade e da derrota.

A nossa velhice não precisará obrigatoriamente de ser assim. Cientes das múltiplas limitações que a idade introduz nas nossas vidas, conscientes também que a capacidade económica ditará em grande parte o modelo de acompanhamento que escolheremos, estes lares têm de sofrer modificações profundas. Há outros modelos que responderão com qualidade superior e é neste sentido que os esforços, dos cidadãos, das estruturas sociais, dos partidos, se deverão dirigir. Modelos que deverão ter o apoio do Estado (central ou local), uma continuação do Estado Social num estádio específico da vida dos cidadãos. Não é a creche, não é a escola, não são as cantinas escolares, os múltiplos apoios financeiros à população mais carente, mas ainda assim Estado Social.

Sobre o actual modelo de lares somos com frequência alertados, por uma comunicação social atenta, para os problemas de sobrelotação, para a falta de licenciamento, para os cuidados não existentes, para a violência. Se os lares que vemos na televisão são os licenciados, imagine-se os outros. É de pessoas que falamos! A fiscalização oficial não pode alegar que não sabia, não ouviu, não viu. Refiro-me também àqueles lares hoje fechados e logo logo abertos portas adiante até com a conivência dos familiares. Pouco civismo, falta de educação, de solidariedade, de consciência, a jusante e a montante. Falta tudo, e também nos serviços da Segurança Social e noutros organismos que deviam estar alerta, e nos cidadãos que devem denunciar estas infâmias.

Como se isto não bastasse para nos envergonhar, vem agora o Covid19 pôr, mais uma vez, o dedo na ferida. Há lares que de repente têm todo o pessoal contagiado. Sem um plano de contingência, sem uma segunda linha para enfrentar a crise, ei-los desprotegidos na guerra biológica, ao natural. Inadmissível. As autoridades terão, claro, de intervir mas no fim do dia, os responsáveis por esses lares vão ter de responder. Se um lar cobra menos de 300 € por mês a um utente, o que é que o lar não providencia? Se eu sei isto, o Estado sabe melhor, deve estar presente e colmatar as falhas. A direcção desses lares tem responsabilidades maiores mas as autoridades não estão isentas da sua quota parte.

Não é o tempo certo para pedir contas mas é o tempo exacto para ir tomando nota destas negligências e, num futuro próximo, exigir explicações e aplicar penas. Não contavam com o Covid19, mas alguém contava? As instituições têm de compreender que os planos de segurança e contingência não são invenções ocas na prossecução de algum modelo neoliberal. Em qualquer instituição, quem a dirige deve garantir que esses cuidados são acautelados em tempo de paz, regularmente revistos e actualizados. Ah, não é preciso, pois, talvez não mas hoje debaixo do ataque dum micro organismo que não controlamos, valorizamos muito mais as providências tomadas em tempo. Reside aqui, sobre esta linha de demarcação, a diferença entre uma sociedade bem organizada e uma outra, pretensiosa, meia atamancada.

Sobre o/a autor(a)

Bibliotecária aposentada. Activista do Bloco de Esquerda. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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