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Os exemplos do país recibo verde
Na próxima quinta-feira o Parlamento vai votar um projecto do Bloco que dá novos poderes à Autoridade das Condições de Trabalho para combater os falsos recibos verdes e obrigar à sua conversão em contrato de trabalho. Nos últimos anos, esta questão tem estado no centro do debate politico e já ninguém consegue olhar para o lado. Mas as declarações de piedade para com as vítimas desta fraude laboral vêm a par com uma total ausência de resposta concreta ao problema. Na verdade, a discussão em torno dos falsos recibos verdes é uma metáfora de algumas das piores características do nosso país e de quem o tem governado.
Exemplo de absurdo
Os trabalhadores a recibo verde estão a receber notificações para pagarem a dívida à segurança social e o Governo ameaçou 50 mil precários de que lhes iria penhorar os bens. Acontece que a dívida que têm, na sua esmagadora maioria, não lhes pertence. É sobretudo dívida contraída em situação de falso recibo verde, ou seja, é dinheiro que, numa situação normal e legal, teria de ser pago pela empresa e não pelo trabalhador. Num contrato, o patrão desconta cerca de 24%, o trabalhador 11%. É nessa proporção que a dívida devia ser cobrada. Cobrarem-nos uma dívida que não é nossa é, além de absurdo e injusto, um esbulho que faz com que, para as empresas, o crime compense.
Exemplo de farwest
Para tantos comentadores, os recibos verdes são maus mas são “inevitáveis”. Quase que esquecemos que os falsos recibos verdes (que serão cerca de 900 mil em Portugal) são ilegais. A maior parte destas situações deviam ser consideradas crimes. Ou seja, Portugal transformou-se, à conta da generalização do falso trabalho independente, num gigantesco offshore laboral. Queremos mesmo habituar-nos a isto?
Exemplo de cinismo
Para recusarem as propostas que o Bloco tem apresentado, PS, PSD e CDS têm argumentado que não cabe ao Estado, mas sim aos trabalhadores, fazer com que a lei seja cumprida. Ou seja, se há uma ilegalidade, é o precário sozinho que tem de processar o seu patrão – tem de ser “o herói principal”, nas palavras de um deputado. O Governo que ameaça penhorar os bens de precários é o mesmo que diz que o estado não pode garantir que a lei laboral é respeitada, mesmo quando dispõe dos elementos para o fazer.
Exemplo de impotência
Há situações em que a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) actua. Faz uma inspecção ao local de trabalho, elabora um relatório e, na maior parte das vezes, reconhece razão aos trabalhadores e recomenda que a empresa cumpra a lei. Até aqui tudo bem. Mas e se a empresa não obedecer à ACT? Basicamente, não se passa nada. Muitas vezes, os trabalhadores são postos na rua. Qual a resposta que PS, PSD e CDS têm dado? Os trabalhadores que vão para tribunal. Esta resposta é tão ilógica que o próprio Inspector Geral do Trabalho admitiu numa entrevista há menos de um ano que deveria prever-se na lei que “com a persistência na ilegalidade, se estaria a cometer um crime de desobediência. (…) Se o mecanismo existisse, tornaria mais fácil a diminuição da precariedade e menos usual o incumprimento”. É precisamente isto que propõe a lei do Bloco. Se a empresa não obedece, está a cometer um crime. Não é evidente?
Exemplo de chantagem
Recentemente, num debate em que participei, um deputado do CDS dizia que se se fizesse cumprir a lei, os patrões não celebrariam contrato mas despediriam os trabalhadores. É a versão hardcore da falácia segundo a qual o desemprego se combate com precariedade, como se um e outro não crescessem de forma paralela e não se alimentassem mutuamente. Mas o exemplo era ainda mais absurdo aplicado ao caso em questão, que eram professores das AECs e de escolas profissionais. Imagine-se um director de uma escola dizer: “se é preciso fazer contrato, então faço uma escola sem professores”. Alguém acredita?
Resolver o problema dos falsos recibos verdes seria uma coisa simples num país decente. Não se está a pedir nada de extraordinário: apenas que a lei seja cumprida. Mas isto que é tão simples tem esbarrado no “amplo consenso” do absurdo, do farwest, do cinismo, da impotência e da chantagem. À conta dele, vamo-nos aproximando de relações de trabalho pré-contratuais e vai-se impondo a precariedade como regra. É o mesmo consenso que aprovou as medidas de austeridade e que assinou o memorando com a troika. Romper os seus argumentos pode não ser fácil, mas não é menos do que isso que precisamos.
Comentários
Óptimos exemplos. É tão
Óptimos exemplos. É tão simples... e incompreensível!
Os recibos verdes são uma
Os recibos verdes são uma fraude vergonhosa, apoiada por sucessivos governos, e é espantoso como num pais democratico, se possa admitir e defender tal sistema, baseado numa mentira. A justificação de que transfomar trabalhadores por conta de outrem em trabalhadores "independentes", iria reduzir o desemprego é uma falácia, apenas favorece as entidades patronais,obrigando os trabalhadores a um pagamento excessivo de impostos, em relação aos salários que recebem. Cada vez mais o trabalho é desvalorizado, para alguns empresários, é sempre demais o que pagam aos trabalhadores. Temos mesmo de mudar esta situação, não vai ser fácil porque este governo já mostrou que vai defender a classe empresarial...
Há casos ainda mais
Há casos ainda mais especiais. O trabalhador chega a representar a empresa mas trabalha fora da empresa. Não tem direito a férias nem a 13ºmês. No período que poderia ser de férias até se chega ao ponto de não lhe arranjarem trabalho para não ter vencimento. Quer dizer que na melhor das hipóteses, com o falso recibo verde o trabalhador fica sem o vencimento de 3 meses durante o ano. Se o trabalhador for mulher a situação ainda se complica mais porque tem de por de parte a hipótese de ser mãe ou então fazer tudo muito bem feito para haver a hipótese de a criança nascer num mês sem vencimento. Mas, a mãe não tem direito a licença de maternidade.Já conheci um caso duma professora abdicar da licença de maternidade para continuar a ser contratada.
Agradeço esta oportunidade e que o BE cresça até ser governo.
Bem eu acho que se tem de
Bem eu acho que se tem de criar um selo de qualidade social (creio que algo baseado na norma ISO 12001) e que permita as pessoas que queiram fazer algo, possam selecionar as empresas com que negociam.
Por outro lado os empresários individuais poderiam ter que passar a saber que o que recebem não é tudo para gastar e terão de comparar com o que a empresa paga em h/h a funcionário equivalente. Há casos em que a h/h se feitos os calculos correctos fica a 3 EUros por hora.
Quanto aos patrões exploradores, além do meu blog, digo em sintese que podem ser criadas empresas com estatuto bem definido que funcionem como SA mas sem a trupe de Cnnselho disto e daquilo.
É inacreditável como se
É inacreditável como se mantêm os Falsos recibos verdes... Onde anda a inspecção? Como sustentam esta Exploração ano após ano?
Mais grave ainda é quando empresas de boa reputação oferecem aos seus trabalhadores, finalmente, o tão desejado contrato!! Ao fim de 8 anos a recibos verdes vem a proposta! E Que propostas maravilhosas: Que tal diminuirmos o valor/hora para metade (vs o que recebeu nos ultimos 8 anos) de forma a cobrir o total de desconto necessário para a segurança social e IRS? Assim desconta a sua parte mais a que cabe à empresa?... E fica resolvido o assunto!
Falsos recibos verdes ou "falsas" passagens a contrato?
É triste.
Este Governo nunca defenderá os trabalhadores, o que ainda nos tira mais a esperança...
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