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Os campeões da indignação
Torna-se tristemente interessante assistir à troca de galhardetes entre PS e PSD neste caso do BES. Cada qual fala mais alto e mostra-se mais indignado. Uma espécie de “segura-me ou eu vou-me a eles!”. Se um diz que os contribuintes não deverão ser lesados, o outro diz que nunca os contribuintes poderiam pagar pela vigarice e pelos crimes deste bando de criminosos. Se um diz que é preciso apurar responsabilidades, o outro logo sobe a parada dizendo que é preciso punir severa e exemplarmente estes grandes bandidos. Se um diz que não era difícil prever que isto ia acontecer, o outro logo responde que era mais do que evidente que esta catástrofe estava prestes a suceder. Acompanhar as declarações do PS e do PSD sobre o caso BES, ou acompanhar as cabeças pensantes do costume da nossa praça, equivale a assistir a um verdadeiro campeonato da indignação.
E a discussão torna-se sobretudo interessante quando a troca de galhardetes recorda o caso BPN e procura daí tirar ilações. Por um lado, temos o PS, o grande obreiro da nacionalização do famigerado banco, a exigir que o Governo garanta que o problema do BES não se refletirá no bolso dos contribuintes. Ou seja, o mesmo partido que nacionalizou os prejuízos do BPN e que continua a defender, embora por vezes de forma envergonhada, que tal foi a melhor solução, exige agora a façanha que garante não ter sido possível na altura que governava o país. É brilhante.
Do outro lado, temos o Governo e a maioria PSD/CDS a defender de forma pouco segura a atual solução. Juram a pés juntos que nunca será algo tão desastrado e desastroso como a atuação Governo PS no caso BPN. Ao mesmo tempo, garantem que as responsabilidades serão apuradas. Curiosamente (ou não), recordamo-nos pouco de ter assistido na altura a uma oposição assim tão veemente do PSD ao processo de nacionalização do BPN. Pelo contrário. E quanto ao apuramento de responsabilidades, recordamo-nos todos da forma “esforçada e empenhada” como o PSD tentou que tudo fosse clarificado no caso BPN.
Todos sabemos que PS e PSD agirão sempre como Dupond e Dupond nestes momentos, procurando que sobressaiam diferenças que não existem ou divergências de fundo que nunca ninguém conheceu. Se calhar não temos de esperar algo diferente de partidos que têm ocupado rotativamente o poder nos últimos quarenta anos. Se calhar temos mesmo de deixar cair qualquer expectativa de seriedade quanto a estes super-heróis da rotatividade. Mas espanta-me o facto de continuar a não ver gente suficiente a afastar-se e a denunciar esta novela que nos é oferecida. Como se estivéssemos condenados à parvalheira total.
Comentários
Os Dupont são de facto a
Os Dupont são de facto a imagem adequada aos 40 anos de alternância.
E, para reflexo dos papalvos voluntários, o belcanto de Bianca Castafiori : «Oh, como adoro ver-me tão bela neste espelho».
E a farsa é degustada, apreciada e sustentada, ditada pelos Petronius clássicos ou pelos Yves Saint Laurent e Versace que, com o seu gesto largo e impositivo, CONHECEDOR, classificam a melhor côr da veste ou o corte adequado à função ou à vernissage. Aconselham as mudanças da postura e juntam-se numa cloud de onde emana a crítica acutilante ao bronzeado da silly season enquanto defendem com unhas e dentes o status purulento onde se nutrem e proliferam, onde descobriram finalmente a razão da sua existência. De comentadores a humoristas displicentemente a-militantes estamos servidos.
Por mais evidente que seja a análise e a crítica contundente, a proposta necessária e transformadora, contemplam-na com a irónica sobranceria de geniozinhos borbulhentos.
Bom artigo. Acho que esta é uma das charneiras (há mais, esta geometria não é euclidiana...) a que devemos prestar alguma da nossa atenção para empanar o rotativismo e ajudar ao rebatimento.
Um abraço
Espanta-me pouco o facto de
Espanta-me pouco o facto de continuar a não ver gente suficiente a afastar-se e a denunciar esta novela que nos é oferecida. Infelizmente temos uma classe média que inveja a figura dos ricos, e uma classe trabalhadora tão massacrada que mal consegue garantir o pão para a boca, e é nisso que investe toda a sua energia. Por outro lado, 40 anos depois da revolução, é deprimente a constatação da falta de consciência política da generalidade da população. Quando a actualidade política vem à tona de conversa, as pessoas lamentam a situação, chamam aos actores os piores nomes, mas infalivelmente a conversa acaba com “o que é que se há-de fazer?”. “É a vida!” diria o pivot citado por José Gil em Portugal hoje, o medo de existir de 2005. Imprescindível para a compreensão daquilo a que assistimos todos os dias.
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