Perante os beijos de duas namoradas, o que resolve fazer uma funcionária da escola? Repreende-las na tentativa de impedi-las de manifestarem o carinho que qualquer outro casal de namorados expressa naturalmente no mesmo espaço. Desde que sejam heterossexuais pois claro.
A prova de que ainda há muito por fazer está na atuação de quem, a coberto da decência e dos bons costumes, ou recorrendo ao subterfúgio da proteção à exposição, trata de forma diferente aquilo que devia tratar com igualdade.
O caso reveste-se ainda de maior gravidade por acontecer num espaço onde, precisamente, se esperaria que valores como a igualdade, o respeito pela diferença e a não discriminação fizessem parte do guião para a formação de jovens e para o desenvolvimento de uma sociedade que ao invés de ditar aos outros quem devem amar, lhes dá a liberdade de serem quem são.
E exige explicações quando a direção da escola e, portanto, os responsáveis pela formação dos nossos jovens, não procuram perceber o que aconteceu, como ou porquê de forma a poderem atuar na defesa do direito constitucional à igualdade e se refugiam na negação e na desvalorização do tratamento desigual e da discriminação, optando ao invés por punir com processos disciplinares os estudantes que, perante a passividade dos adultos, não hesitaram em lutar e combater o preconceito.
E é esta desigualdade de tratamento e esta desvalorização da discriminação, que, sejamos claros, não é menos do que homofobia, que imprime sentimentos de insegurança e desproteção e que conduz a uma constante autovigilância de quem não se encaixa na ‘norma’. Quando um casal de namorados sente que tem de olhar primeiro à sua volta para se certificar se é seguro dar as mãos, trocar um beijo ou qualquer outro gesto de carinho sabemos efetivamente que ainda há muito por fazer.
Mas a certeza de que alguma coisa estaremos a fazer bem nesta sociedade e a esperança de que um dia a igualdade faça parte da vida de todos e todas - independentemente da sua orientação sexual ou identidade de género - acontece quando são precisamente os jovens do milénio, aqueles tantas vezes acusados de passividade, que se indignam e levantam a sua voz em defesa do direito a sermos quem somos e a amarmos e beijarmos quem quisermos. São estes jovens que nos devolvem a confiança e a esperança de que os valores de abril, a igualdade e a liberdade, são mais fortes que o preconceito e o conservadorismo.
Sejamos capazes de continuar a construir uma sociedade onde esses valores sejam o farol e onde os beijos sejam de todos.