Há empresas que pagam pouco a quem trabalha e vendem os seus produtos a um preço baixo, apostando na venda em grandes quantidades para obter elevados lucros. Há empresas que pagam pouco a quem trabalha e vendem os seus produtos a um preço elevado, apostando na fidelização à marca e no consumismo para obter elevados lucros. Mas há empresas que conseguem ainda melhor que isto: nada pagam a quem trabalha e vendem os seus produtos a um preço elevado. Não, não estou a referir-me a empresas que usam trabalho forçado. Estou a referir-me às editoras académicas.
Quem faz investigação é avaliado cada vez mais de acordo com critérios essencialmente quantitativos, relacionados com o número de publicações. Estes critérios tornaram-se tão determinantes que se fala da regra “publicar ou morrer”, como uma espada que pende sobre a cabeça dos investigadores. Não publicar não é, portanto, uma opção.
Este modo de avaliação é problemático, na medida em que premeia o trabalho “a metro”, em detrimento de um trabalho de investigação que pode ter mais pertinência e qualidade, sem que daí resulte um maior número de publicações. Mas não há nada de estranho em ter o número de publicações como um dos critérios de avaliação do trabalho de investigação. Afinal, tal como o trabalho de um carpinteiro consiste em produzir móveis e colocá-los no mercado, também o trabalho de uma investigadora consiste em produzir conhecimento e publicá-lo.
O maior problema da investigação atualmente reside no modelo de publicação dos resultados. Estando o mercado de publicação de revistas e livros científicos dominado por um punhado de grandes editoras, que detém as revistas mais conceituadas, a maior parte das investigadoras entrega o seu trabalho a estas editoras. Em troca, nada recebem, como nada recebem os investigadores que revêm cientificamente as publicações. As editoras publicam então os resultados, usando sobretudo o formato eletrónico, e cobram uma importância astronómica pelo acesso às publicações.
Quem faz investigação certamente já se deparou com a frustração de querer aceder a um artigo científico e descobrir que está inserido numa base de dados não subscrita pela instituição de ensino em que trabalha ou querer aceder a um livro científico e descobrir que não está disponível na biblioteca. A frustração emerge do custo de aquisição destas publicações: um único artigo em PDF pode custar entre 30 e 50 euros, enquanto que um livro científico pode custar entre 100 e 300 euros.
O problema torna-se ainda mais agudo à medida que as editoras aumentam o preço de acesso às publicações e as instituições de ensino e investigação sofrem cortes orçamentais. A comunidade científica vê-se assim deparada com o problema de ter de prescindir do acesso a conhecimento publicado, por falta de dinheiro, com a consequente perda de qualidade da investigação.
Para as instituições de investigação localizadas em países do Sul Global, a questão nem se coloca, na medida em que não possuem os meios financeiros para aceder às publicações científicas vendidas a preços usurários. O negócio rentista das editoras reproduz assim um modelo neocolonialista de produção científica.
Perante tudo isto, o escândalo é evidente. O conhecimento científico de que as editoras académicas se apropriam foi produzido essencialmente usando fundos públicos de apoio à investigação, pelo que as instituições de investigação se veem forçadas a pagar uma fortuna para acederem ao conhecimento que produzem. Além de um entrave ao progresso científico e intelectual, o negócio rentista destas editoras representa uma transferência de dinheiros públicos para empresas privadas.
Foi com o objetivo de denunciar esta realidade que o informático Aaron Swartz desenvolveu uma aplicação capaz de descarregar milhões de artigos da JSTOR, uma base de dados bibliográfica, usando o servidor da universidade em que trabalhava. O “crime” de descarregar artigos aos quais tinha acesso legalmente valeu-lhe uma acusação em tribunal que poderia ter acabado com uma pensa de prisão de 35 anos. Poderia, não tivesse Swartz decidido suicidar-se.
Não subestimemos a importância de acabar com as editoras académicas. O seu modelo de negócio sufoca a investigação ao ponto de a matar. Mas, sem investigação, paramos de evoluir. Sem investigação, não podemos curar doenças, desenvolver políticas anti-crise ou cortar os males sociais pela raiz. Sem investigação, não podemos atingir o nosso potencial enquanto seres humanos.
Não havendo qualquer desculpa para ainda cobrar dinheiro pelo acesso ao conhecimento naquela a que se chama por vezes a sociedade do conhecimento, não há qualquer justificação para a existência de editoras académicas com fins lucrativos. Revistas e repositórios de documentos em regime de acesso aberto já existem, mas são ainda insuficientes. Por isso os governos e as instituições de investigação devem desatar este nó desenvolvendo modelos de publicação sem fins lucrativos, recuperando um hábito que se perdeu quando as editoras académicas compraram as principais publicações científicas.
