Os barões do conhecimento

porRicardo Coelho

08 de fevereiro 2013 - 0:37
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Há empresas que nada pagam a quem trabalha e vendem os seus produtos a um preço elevado. Não, não estou a referir-me a empresas que usam trabalho forçado. Estou a referir-me às editoras académicas.

Há empresas que pagam pouco a quem trabalha e vendem os seus produtos a um preço baixo, apostando na venda em grandes quantidades para obter elevados lucros. Há empresas que pagam pouco a quem trabalha e vendem os seus produtos a um preço elevado, apostando na fidelização à marca e no consumismo para obter elevados lucros. Mas há empresas que conseguem ainda melhor que isto: nada pagam a quem trabalha e vendem os seus produtos a um preço elevado. Não, não estou a referir-me a empresas que usam trabalho forçado. Estou a referir-me às editoras académicas.

Quem faz investigação é avaliado cada vez mais de acordo com critérios essencialmente quantitativos, relacionados com o número de publicações. Estes critérios tornaram-se tão determinantes que se fala da regra “publicar ou morrer”, como uma espada que pende sobre a cabeça dos investigadores. Não publicar não é, portanto, uma opção.

Este modo de avaliação é problemático, na medida em que premeia o trabalho “a metro”, em detrimento de um trabalho de investigação que pode ter mais pertinência e qualidade, sem que daí resulte um maior número de publicações. Mas não há nada de estranho em ter o número de publicações como um dos critérios de avaliação do trabalho de investigação. Afinal, tal como o trabalho de um carpinteiro consiste em produzir móveis e colocá-los no mercado, também o trabalho de uma investigadora consiste em produzir conhecimento e publicá-lo.

O maior problema da investigação atualmente reside no modelo de publicação dos resultados. Estando o mercado de publicação de revistas e livros científicos dominado por um punhado de grandes editoras, que detém as revistas mais conceituadas, a maior parte das investigadoras entrega o seu trabalho a estas editoras. Em troca, nada recebem, como nada recebem os investigadores que revêm cientificamente as publicações. As editoras publicam então os resultados, usando sobretudo o formato eletrónico, e cobram uma importância astronómica pelo acesso às publicações.

Quem faz investigação certamente já se deparou com a frustração de querer aceder a um artigo científico e descobrir que está inserido numa base de dados não subscrita pela instituição de ensino em que trabalha ou querer aceder a um livro científico e descobrir que não está disponível na biblioteca. A frustração emerge do custo de aquisição destas publicações: um único artigo em PDF pode custar entre 30 e 50 euros, enquanto que um livro científico pode custar entre 100 e 300 euros.

O problema torna-se ainda mais agudo à medida que as editoras aumentam o preço de acesso às publicações e as instituições de ensino e investigação sofrem cortes orçamentais. A comunidade científica vê-se assim deparada com o problema de ter de prescindir do acesso a conhecimento publicado, por falta de dinheiro, com a consequente perda de qualidade da investigação.

Para as instituições de investigação localizadas em países do Sul Global, a questão nem se coloca, na medida em que não possuem os meios financeiros para aceder às publicações científicas vendidas a preços usurários. O negócio rentista das editoras reproduz assim um modelo neocolonialista de produção científica.

Perante tudo isto, o escândalo é evidente. O conhecimento científico de que as editoras académicas se apropriam foi produzido essencialmente usando fundos públicos de apoio à investigação, pelo que as instituições de investigação se veem forçadas a pagar uma fortuna para acederem ao conhecimento que produzem. Além de um entrave ao progresso científico e intelectual, o negócio rentista destas editoras representa uma transferência de dinheiros públicos para empresas privadas.

Foi com o objetivo de denunciar esta realidade que o informático Aaron Swartz desenvolveu uma aplicação capaz de descarregar milhões de artigos da JSTOR, uma base de dados bibliográfica, usando o servidor da universidade em que trabalhava. O “crime” de descarregar artigos aos quais tinha acesso legalmente valeu-lhe uma acusação em tribunal que poderia ter acabado com uma pensa de prisão de 35 anos. Poderia, não tivesse Swartz decidido suicidar-se.

Não subestimemos a importância de acabar com as editoras académicas. O seu modelo de negócio sufoca a investigação ao ponto de a matar. Mas, sem investigação, paramos de evoluir. Sem investigação, não podemos curar doenças, desenvolver políticas anti-crise ou cortar os males sociais pela raiz. Sem investigação, não podemos atingir o nosso potencial enquanto seres humanos.

Não havendo qualquer desculpa para ainda cobrar dinheiro pelo acesso ao conhecimento naquela a que se chama por vezes a sociedade do conhecimento, não há qualquer justificação para a existência de editoras académicas com fins lucrativos. Revistas e repositórios de documentos em regime de acesso aberto já existem, mas são ainda insuficientes. Por isso os governos e as instituições de investigação devem desatar este nó desenvolvendo modelos de publicação sem fins lucrativos, recuperando um hábito que se perdeu quando as editoras académicas compraram as principais publicações científicas.

Ricardo Coelho
Sobre o/a autor(a)

Ricardo Coelho

Ricardo Coelho, economista, especializado em Economia Ecológica
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