Ainda não há muito tempo pudemos ler e ouvir o Presidente da Associação Portuguesa de Bancos a alertar para a frágil situação da banca em Portugal e para a inevitabilidade de uma redução nos níveis de crédito à economia (e aumento dos spreads). Tendência esta acentuada pelo esforço no cumprimento das novas regras internacionais em termos de requisitos de capital. Apesar de preocupantes, estas declarações alarmistas sobre a situação da banca portuguesa não parecem ter um reflexo directo no seu desempenho, a avaliar pelos lucros apresentados nos últimos meses.
É verdade que a banca tem tido dificuldade em obter financiamento no mercado interbancário. No entanto, embora os níveis de endividamento externo sejam elevados (cerca de 55% da dívida total ao exterior pertence ao sector bancário), os analistas são unânimes em afirmar que a situação real dos bancos portugueses está longe de ser desesperante. Aparentemente, mais do que por uma análise real dos seus balanços, os ratings da banca portuguesa estão a descer devido à reputação do país nos mercados internacionais. O mesmo se passa com o Estado português que, independentemente da real situação das suas contas, tem sofrido com as bolhas especulativa e de expectativas que se criaram em torno da sua solvabilidade.
Mas esta é a única semelhança entre a situação da banca e do Estado. De resto, a forma como ambos têm enfrentado esta crise, as suas responsabilidades nela e também as consequências, divergem em tudo. Por causa dos seus défices os Estados estão a implementar programas de austeridade que visam a “consolidação” das contas públicas através do aumento dos impostos, da redução de prestações sociais e dos salários. Ao mesmo tempo que os trabalhadores sofrem para pagar uma dívida que não lhes diz respeito, os especuladores internacionais apostam na falência do Estado, fazendo com que os juros da divida portuguesa aumentem e ganhando dinheiro com isso. Mais juros significam mais dívida no futuro. O aumento dos juros, que se encontram nos 6.420%, significa simplesmente que há mais especuladores a lucrar com a nossa dívida pública e que o país não está em condições de contrariar essa tendência. Prova disto mesmo é o facto de a procura de obrigações portuguesas ter excedido a oferta 4,9 vezes.
Os bancos, tal como os países, também precisam de financiamento e de se conseguir recapitalizar. A diferença é que, ao invés de ter de se sujeitar às taxas praticadas no mercado, a banca pode facilmente pedir ao Banco Central Europeu, que empresta a 1%. Como garantia pelo empréstimo concedido, os bancos podem entregar dívida pública das periferias, obrigações de empresas e até mesmo títulos hipotecários. Segundo o Expresso, a divida dos bancos ao BCE já atingiu os 30% do PIB.
Com uma parte do capital que é fornecido pelo BCE e que custa 1%, os bancos compram dívida pública, que paga juros de 6.4%, encaixando o lucro da operação. Quer isto dizer que a banca se está a encher de divida pública dos países da periferia? Não necessariamente, uma vez que, ao mesmo tempo que empresta capital, o BCE também está a comprar títulos de divida pública aos bancos (mas não directamente aos países).
Através destas operações, possíveis devido à actuação do BCE, os bancos estão a recapitalizar-se e a equilibrar os seus balanços. Existem outras formas de o fazer, que também estão a ser postas em prática: reduzir os níveis de crédito à economia, aumentar spreads e comissões bancárias e explorar ao máximo as técnicas de planeamento fiscal para pagar menos IRC (a taxa efectiva da banca, segundo a própria APB, situa-se nos 5%). Independentemente do método utilizado, fica bem claro que o ajustamento das contas da banca portuguesa também está a ser feito à custa dos impostos e dos salários dos trabalhadores e dos mais pobres. E foi esse o significado da mensagem do presidente da Associação Portuguesa de Bancos.
Uma boa noticia para os bancos nacionais é que existe ainda um outro mecanismo para melhorar os seus indicadores de capital: a redução das margens de lucro. Dói mais, é verdade, mas que doa antes a eles que a nós.
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