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Onde é que já vimos este filme?

A poucas semanas das eleições, Passos Coelho prometeu ir ver se será possível "desonerar salários e pensões" em 2016. Ou seja, quando os eleitores que enganou em 2011 lhe derem um novo mandato para continuar a governar ao contrário do que prometeu.

A simpática entrevista de José Gomes Ferreira ao primeiro-ministro — onde pela primeira vez um entrevistador pediu desculpa ao entrevistado pelo "impulso jornalístico" de lhe fazer uma pergunta – mostrou um Passos Coelho apostado em fazer render a receita que lhe deu a vitória em 2011.

Embora não esconda que no que depender dele os salários e pensões não vão regressar ao nível de 2011, Passos inventa fórmulas como "soluções duradouras" para se referir aos cortes permanentes, ou "desonerar salários e pensões" para dizer que pode vir a decretar um pequeno desconto nos cortes se voltar a ganhar as eleições.

O grande problema das finanças públicas — a dívida insustentável e a necessidade urgente de a renegociar – ficou de fora de uma entrevista em que ao menos ficou claro o essencial do pensamento de um Governo 100% alinhado com a troika: “O que provocou o aumento do risco de pobreza não foram as medidas de austeridade", repete Passos as vezes que forem precisas até alguém se convencer disso, ao mesmo tempo que diz estar a pensar em "estabelecer um teto" de prestações sociais que podem ser atribuídas ao mesmo beneficiário. Tivesse feito o mesmo com os bancos beneficiários dos swaps e o RSI ficava pago até ao fim da década. 

Com o foguetório do fim do memorando da troika preparado para rebentar na campanha europeia, o discurso do "sucesso da austeridade" está para durar. Em Lisboa e Atenas, comemoram-se os "regressos aos mercados" com os juros mais baixos desde 2011. O desemprego aumentou como nunca, uma geração inteira abandonou os dois países, os serviços públicos degradaram-se e o risco de pobreza continua a subir ao ritmo dos cortes nos apoios sociais. Mas há sucesso de sobra nos mercados e a renovada confiança dos especuladores que a austeridade será permanente. 

Em tempo de campanha eleitoral, mais vale jogar pelo seguro, pensa Passos Coelho: e eis que regressam as promessas de combater as gorduras de um Estado que sorteia Audis todas as quintas-feiras, de ir desonerando o roubo do 13º mês aos funcionários públicos num futuro distante, de ir além da troika e do pós-troika. Onde é que já vimos este filme?

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