O conhecimento e compreensão que a China tem sobre o Ocidente, nomeadamente sobre os EUA, são hoje muito maiores do que as ideias e mitos que o Ocidente e os EUA, em particular, julgam saber sobre a China. Após anos de votos de pobreza, Deng Xiaoping iniciou reformas (que Zemin e Jintao, mais burocratas e tecnocratas, continuaram), mudando o país e alterando a percepção que a China tem sobre o Mundo e sobre a América. Com uma economia florescente, não beligerante em guerras externas, com estabilidade e segurança, melhores salários, maiores níveis de escolaridade e de esperança de vida, os académicos chineses que antes eram chamados e ouvidos pelo Governo chinês sobre como replicar o sucesso económico americano, são hoje auscultados sobre como evitar os falhanços, desastres e as crises financeiras que assolaram os EUA e os seus aliados europeus à escala da economia mundial. Antes, estudavam o seu sucesso, agora aprendem com os seus erros.
A visão idílica que a China tinha sobre os EUA foi sendo substituída por uma antipatia e um desconforto que a visita de Nancy Pelosi a Taiwan e os últimos anos da política internacional norte-americana só acentuaram. A marca de distanciamento de Joe Biden relativamente à visita da presidente da Câmara dos Representantes, ecoou em silêncio durante duas semanas. Finalmente, abordando o assunto, Biden limita-se a dizer que a visita foi "uma decisão de Pelosi". O desconforto da Administração, Pentágono, Casa Branca e Serviços Secretos norte-americanos sempre foi evidente. Durante semanas, a China alertou os EUA sobre os danos que uma visita de Pelosi a Taiwan iria criar nas relações diplomáticas entre Pequim e Washington. O sinal de alarme foi claro: "não brinquem com o fogo", palavras de Xi Jinping. Nancy Pelosy não pôs em causa a política americana de "ambiguidade" em relação à China. A independência não fez parte da mala diplomática. Mas o "timing" faz a História.
O mal-estar entre China e os EUA não vem de agora. Pode até dizer-se que o sentimento antiamericano cresce desde o ataque à embaixada chinesa em Belgrado, durante a guerra do Kosovo. Ou, mais recentemente, com as políticas de Trump que acusou a China pela pandemia e instigou a taxas adicionais às exportações chinesas. Com Biden, nada melhorou significativamente, sobretudo face à posição "expectante" da China relativamente à guerra de Putin na Ucrânia, aos direitos humanos e à agressividade chinesa pela influência no Sul do Pacífico, Ásia ou África, entre outros argumentos de tracção interna ou internacional. Mas, menos de 24 horas em Taipei, foram o rebuçado que Xi Jinping desejava para tentar fazer esquecer o actual desempenho económico menos bom do país, o sentimento de discordância na luta contra a pandemia e alimentar o sentimento nacionalista chinês, no momento em que se aproxima uma inusitada recondução para um terceiro mandato quase imperial. A paciência chinesa não é um mito e transforma-se em tempo, sólida.
Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 12 de agosto de 2022