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O risco do "logo se vê"

Portugal é o segundo país da OCDE com o corpo docente mais velho. Em dez anos, mais de metade dos docentes vão reformar-se e – atenção a este detalhe – não há ninguém para os substituir.

Desenhar um sistema de ensino público e universal não é coisa que se faça de improviso. Pode até acontecer, em circunstâncias tão extraordinárias como o pós-25 de Abril, que um país se veja a braços com a necessidade de massificar a escola pública de um dia para o outro, sem poder esperar pela construção de escolas ou pela formação adequada de professores. Na década de 70, a população escolar aumentou quase meio milhão e nos ciclos mais elevados de ensino multiplicou-se por três ou quatro. O milagre da multiplicação dos professores permitiu que a partir de um batalhão de pouco mais de 50 mil, em dez anos tivéssemos um exército de 108 mil docentes nas escolas portuguesas.

Acontece que esse exército, atualmente composto por cerca de 140 mil docentes, foi sendo estrangulado pela base, primeiro pela precariedade e depois por “reformas educativas” feitas a regra e esquadro para cortar o número de professores nas escolas. De tanto não serem queridos, os jovens deixaram de querer ensinar e até seria interessante fazer projeções a partir da frequência dos cursos superiores via ensino. O risco é chegarmos à conclusão de que os professores com profissionalização – que estudam para serem professores – estão a escassear.

Porque é isto um problema e porque é que a pandemia de covid-19 o vai agravar? Portugal é o segundo país da OCDE com o corpo docente mais velho. Em dez anos, mais de metade dos docentes vão reformar-se e – atenção a este detalhe – não há ninguém para os substituir. A falta de professores em determinadas disciplinas já começou a deixar turmas sem aulas durante meses inteiros e encontrar professores de substituição é o pesadelo de qualquer escola.

O nível de renovação docente necessário para manter o sistema educativo é similar ao esforço dos anos 70/80, só que com exigências educativas muito mais elevadas. O Governo não pode simplesmente começar a substituir professores por não docentes; isso seria uma tragédia para a qualidade do ensino e já não há desculpas para esses improvisos.

E se uma pandemia vier sobrepor-se a este problema preexistente? Durante a próxima semana, milhares de professores vão ocupar os mesmos lugares perante o mesmo número de alunos do ano passado. Já tentaram falar de máscara durante uma hora e meia para uma plateia de 28 miúdos de 13 anos? Cruzamos esse esforço com a idade dos professores, somamos os docentes de grupos de risco, que não sabemos quantos são mas certamente não irão dar aulas, acrescentamos as baixas que decorrem naturalmente do envelhecimento e do burnout, e há uma pergunta que se impõe: onde está a retaguarda dos docentes que em setembro vão integrar a linha da frente?

O Governo assumiu o risco de afirmar que está tudo preparado para o início do ano letivo sem ter resposta para estas perguntas. Não quis ir pelo difícil caminho da diminuição do número de alunos por turma nem pelo difícil caminho da renovação do corpo docente. O que sobra, um golpe de asa? Um milagre?

Não era preciso uma pandemia para ver tudo isto – foi só mais uma oportunidade desperdiçada pelo Ministério da Educação. Sem surpresas, as escolas sabem que não haverá milagre da multiplicação dos professores. Ainda assim, farão o melhor que puderem para garantir um regresso às aulas em segurança e esse esforço tem de ser reconhecido, assim como o de todos os profissionais que, em tempos de pandemia, se arriscam para garantir o direito fundamental à educação.

Artigo publicado no jornal “I” a 10 de setembro de 2020

Sobre o/a autor(a)

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
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