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O rei nómada ou o bom exílio

São muitos os casos em que uma das partes se unha e desunha para pôr fim à afinidade, sem sucesso. Mas nada que um agente privado nipónico não possa resolver, intrometendo-se como "affaire" ou verdadeiro agente de sabotagem.

A tarefa é simples: seduzir o marido ou esposa dos seus clientes para encontrar um motivo para acabar a relação. Depois, é comunicar os resultados à parte contratante como bingo pró-divórcio. Não há trinta por uma linha que um agente privado deixe de fazer no Japão, não há escândalo que não lhe passe pelas mãos. A insuficiente investigação ibérica pode ser uma das razões que nos impedem de saber o paradeiro do rei Juan Carlos e dos quase 65 milhões em luvas de "gratidão e amor" que transferiu para a conta da sua ex-amante Corinna Larsen. À falta de um bom detective japonês, foi a vez do rei emérito Juan Carlos deixar os espanhóis de olhos em bico. O fugicídio.

Entre Cascais e a República Dominicana vai uma enorme distância e um sinal evidente: desconhece-se o paradeiro. Após abandonar o seu domicílio no domingo passado, Juan Carlos pode estar agora a rumar para parte incerta e há quem assegure que não terá residência fixa. Uma espécie de rei saltimbanco ao serviço da fuga à sua própria investigação com a complacência, anuência e vontade da Casa Real espanhola. Mas este rei, ainda que viajante ou nómada de 82 anos, não encontra amigos que aplaudem e negoceiam a sua saída apenas na sua terra natal.

No nosso país, para onde fugiu ou se exilou (ainda que, aparentemente e de passagem, só tenha apanhado um avião no Porto), não faltaram monárquicos e republicanos a pretenderem recebê-lo de braços abertos em virtude de ser "um doce amigo de Portugal". João Soares defende que deveria ir viver para Cascais, porque só se perdeu "pelo seu gosto por senhoras e por eventuais prendas". Dom Duarte Pio vaticina que o exílio do rei emérito em Portugal até poderia ser bom para o turismo, qual Madonna foragida em Lisboa com lugar para parquear os seus coches.

Imaginemos que a vida e obra de Ricardo Salgado tivesse contemplado bons e vantajosos negócios com Espanha. Decerto que o ex-banqueiro veria com bons olhos as palavras de Dom Duarte, que assegura a vinda de Juan Carlos para o nosso país como positiva porque "provavelmente será mais tranquilo e mais prudente poder defender-se de fora". Se esta teoria fizesse escola, a antiga ambição portuguesa de comprar caramelos doces em Espanha seria salgada por muitas trocas directas. Se questionamos, secularmente, o vento e o bom casamento que (não) vem do outro lado da fronteira, que bom seria podermos deixar de vez este travo amargo de parolice.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 7 de agosto de 2020

Sobre o/a autor(a)

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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