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O racismo hasteou bandeira na Casa Branca

A reação do presidente dos Estados Unidos da América aos acontecimentos de Charlottesville foi miserável. Não há outra forma de o caraterizar.

A tragédia de Charlottesville não pode deixar ninguém indiferente. Esta pequena cidade universitária norte-americana do estado da Virgínia foi palco de uma marcha de ódio em que a extrema-direita americana decidiu reunir-se para celebrar a sua raiva e intolerância.

A manifestação da extrema-direita foi tudo o que tinha prometido: homens e mulheres armados, muitos exibindo equipamento militar, com bandeiras nazis e cruzes suásticas, cartazes com insultos racistas e antissemitas, mensagens homofóbicas e muitos membros do Ku Klux Klan. Unidos contra a remoção da estátua de um general esclavagista caído na guerra civil. No essencial, manifestaram a sua nostalgia pelos tempos em que a escravatura e a segregação racial eram protegidas pela lei.

Do outro lado da barricada juntaram-se democratas, ativistas dos direitos humanos, humanistas e pacifistas para dizer que a história não andará para trás. Os hooligans da extrema-direita responderam com violência: às mãos dos neonazis morreu Heather Heyer, atropelada, e vários ficaram feridos.

"Se não estão indignados é porque não estão a prestar atenção." Esta é a última frase de Heather Heyer na sua conta do Facebook. É para lhe dizer que estamos indignados, que não ficamos indiferentes, que escrevo este artigo.

A reação do presidente dos Estados Unidos da América a estes acontecimentos foi miserável. Não há outra forma de o caraterizar. Trump disse que os dois lados são culpados da violência em Charlottesville e que havia "boa gente" na manifestação dos nazis.

As palavras de Trump não tiveram nenhuma intenção de acalmar ânimos. Muito pelo contrário. Foram de aceitação para com as manifestações de ódio. Não por acaso, a extrema-direita sente que pode prosseguir com o seu exibicionismo público, tendo já marcado novas manifestações para outras cidades norte-americanas.

"Boa gente" não carrega cruzes suásticas nem participa em marchas de ódio. Tentar naturalizar a extrema-direita é um favor que lhe é feito e é esse o objetivo de Trump. O líder do Ku Klux Klan já veio agradecer o obséquio.

Trump fala de "dois lados" como se fossem equivalentes: duas faces da mesma moeda, a cara e a coroa de opções políticas de igual peso, o yin e o yang de escolhas absolutamente naturais. Nada mais errado. Sabemos bem o que significou o nazismo e os custos que pode ter a normalização do seu terror. Por isso mesmo a Constituição da República Portuguesa proíbe qualquer expressão ou organização fascista, como acontece em muitos países democráticos. Não há equivalência entre neonazis e quem se lhes opõe.

Os limites de uma sociedade tolerante têm de ser as escolhas que colocam em causa essa mesma cultura de tolerância. Quem saiu à rua para se opor à manifestação nazi fez essa escolha em defesa da tolerância, da igualdade e dos direitos civis. Calar perante uma marcha de ódio é aceitar que a intolerância não deve ter limites.

A remoção da estátua de um general esclavagista não é, sequer, reescrever a história, como Trump sugere. Só o faz novamente para legitimar a manifestação da extrema-direita. Retirar essa estátua é escolher como é construída a nossa memória coletiva e como é lembrada a nossa história comum. Rejeitar no presente os símbolos de um passado de opressão, tortura e escravatura é a garantia de que o progresso não é desfeito.

O uruguaio Eduardo Galeano contava que na infância estava convencido de que o que se perdia na Terra ia parar à Lua. Mas os astronautas não encontraram na Lua sonhos perigosos, promessas traídas ou esperanças quebradas. Onde estariam, então? O pensador concluiu que não desapareceram, apenas se esconderam, subterrâneos, à espreita de uma nova oportunidade. Como se viu em Charlottesville, há muitos perigos ocultos que estão à espreita, à espera de que baixemos a guarda.

A eleição de Donald Trump foi vista por muitos como uma espécie de reabertura das disputas da guerra civil norte-americana. A extrema-direita ansiava por um presidente dos seus e as movimentações sociais aí estão para o demonstrar. O crescimento de grupos de supremacistas brancos e do Ku Klux Klan são do conhecimento público e um motivo de enorme preocupação mundial.

O combate a este fenómeno tem de acontecer à escala internacional. Não podemos aceitar que a história se repita. Tomemos, então, posição nesta disputa. Não fiquemos indiferentes e juntemos as nossas vozes a quem saiu à rua em Charlottesville defendendo os direitos humanos.

Artigo publicado no “Diário de Notícias” em 17 de agosto de 2017

Sobre o/a autor(a)

Deputado, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, matemático.
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