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O que está a esconder, sr. ministro?

O silêncio parece ser do peso na consciência de quem não está a cumprir o prometido e continua a empurrar o problema com a barriga.

A resposta do ministro da Educação não deixa ninguém indiferente. Tiago Brandão Rodrigues recusou responder sobre quantas escolas têm estruturas que contêm fibras de amianto. Confirma que existem, mas não quais são. E, com isso, esconde também qual o calendário das obras para a remoção deste material cancerígeno das escolas do país.

O argumento é estafado e não aguenta o contraditório. A desculpa ministerial é que “o alarmismo social é a pior coisa que se pode fazer”. O problema é que quando ele se fecha em copas é quando começam os alarmes a tocar. Depois de António Costa ter prometido há três anos “erradicar o amianto, essa substância cancerígena dos espaços públicos”, o silêncio parece ser do peso na consciência de quem não está a cumprir o prometido e continua a empurrar o problema com a barriga. É que o prazo dado pelo primeiro-ministro era até ao “final de 2018”, mas o ano terminou sem que tal se concretizasse.

Com os atrasos que estamos a assistir e perante o incumprimento das próprias palavras do primeiro-ministro seria de esperar moderação e humildade de Tiago Brandão Rodrigues, reconhecendo que não está a entregar o que foi prometido. Mas as declarações demonstram uma leviandade inesperada e um sentido de Estado pouco condizente com matéria tão relevante, manifestando uma arrogância incompreensível. A transparência é fundamental em democracia, sr. ministro!

Por isso mesmo, estamos a assistir a uma mobilização cívica de quem rejeita continuar à espera da inação do Governo. Só no último mês existiu uma mobilização de comunidades escolares que levou ao encerramento de uma dezena de estabelecimentos de ensino. As manifestações juntaram professores, alunos, auxiliares e encarregados de educação para exigir que se cumpra a lei. Tão só para exigir aquilo que foi aprovado por unanimidade na Assembleia da República.

A lei é de 2011 e exige que o Estado identifique os edifícios públicos que tenham materiais com amianto e proceda à calendarização das obras para a sua remoção urgente. Mas o processo começou logo errado: o levantamento dos materiais que contêm amianto foi feito de forma incompleta, com o foco no fibrocimento (maioritariamente utilizado em coberturas e telhados), sem contemplar outros materiais que também contêm amianto. Outros materiais como pavimentos, revestimentos, tintas ou divisórias não fizeram parte deste inventário o que mostra como há ainda muito trabalho por fazer para identificar todos os riscos potenciais.

Por outro lado, não é conhecido qualquer calendário de obras e os dados são contraditórios. O Ministério do Ambiente previa fazer cerca de 1400 intervenções entre 2017 e 2018, mas apenas foram realizadas 90. Os valores que se previa mobilizar para essas obras rondavam os 46 milhões de euros, mas apenas foram contabilizados 625 mil euros. Isto significa uma utilização de 0,15% dos fundos previstos. O que se pode concluir é que falta o essencial: obras para remover os materiais com amianto.

E há ainda a notícia de algo impensável. Apesar de se conhecerem os efeitos do amianto - que provoca doenças graves das quais se destacam a asbestose, o mesotelioma, o cancro do pulmão e o cancro gastrointestinal - o nosso país continua a importar este material, o que é inaceitável. É preciso mesmo mudar as consciências também.

É por isso que a mobilização cidadã que está a existir, creio eu, tenderá a ganhar ainda mais força. Há a conclusão óbvia que é o próprio Governo que não está a cumprir a lei e a defender a saúde das nossas populações, com os nossos jovens à cabeça. Estamos a jogar à roleta russa com o futuro, pois os efeitos da exposição ao amianto podem demorar décadas até aparecer, mas os efeitos são devastadores. Temos de agir.

Saúda-se a iniciativa da associação ecologista ZERO, o Movimento Escolas Sem Amianto – MESA e a Federação Nacional de Professores (Fenprof) que lançaram uma petição à Assembleia da República para mobilizar a sociedade para este problema e exigir que o Governo deixe de estar fora da lei.

Artigo publicado no jornal “Público” a 15 de novembro de 2019

Sobre o/a autor(a)

Deputado, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, matemático.
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