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O problema económico é a política

Tudo se conjuga para se manterem os juros baixos, promotores da instabilidade financeira. Política e finanças são a combinação tóxica do nosso tempo.

Tanto em 2015 como em 2018, a revista “Economist”, guru da economia liberal, anunciou que estava a chegar a recessão. Nem se pode dizer que fosse por vontade de agourar, mas errou das duas vezes. Agora, na última edição, preferiu ser mais cuidadosa, tanto mais que chegamos a um marco surpreendente: nunca, desde 1854, tinha havido um período tão prolongado de crescimento da economia norte-americana, 121 meses seguidos (e na Europa 72 meses). Sinal entusiasmante, não fora o crescimento ser tão baixo (uma média de 2,3%, quando nas expansões anteriores foi de 3,6%), o investimento global ser medíocre, os fluxos de capitais e de investimento direto estrangeiro se terem reduzido a um terço do que eram antes de 2007. Há então um problema nesta recuperação longa e bizarra?

A economia já não é o que era

Claro que há um problema económico, só que ninguém sabe qual é ele. Desde há dois anos que o rácio de Shiller, entre o preço das ações e os resultados das empresas, está em níveis alarmantes. Robert Shiller, um economista de Yale, ganhou o Nobel com esta abordagem quantificada dos riscos e as suas medidas foram bons preditores do colapso do subprime em 2007 e 2008, mas agora parecem não funcionar. Se o rácio é muito elevado, percebe-se o que quer dizer: as cotações não correspondem aos fundamentos económicos, temos uma bolha. Ora, os níveis atuais só foram alcançados com as contas de 1929 e com as de 2000, e em ambos os casos houve recessão. Agora, pior ainda, as taxas de juro de longo prazo em mercados de obrigações estão abaixo das de curto prazo, o que costuma indicar a suspeita de que os bancos centrais não mexem nos juros por muito tempo ou que se espera uma crise em pouco tempo. Qual das duas? Anything goes.

Mas quando os analistas se empolgam com estes sinais e dizem que a economia está corrigida, há sempre quem lembre o livro de Rogoff e Reinhart “Desta Vez É Diferente”, que assinala que este discurso está sempre presente depois de cada crise, e que o nobelizado Robert Lucas assegurou, em discurso soleníssimo de 2003, que o ciclo económico estava domesticado e por longas décadas — quatro anos depois houve a pior crise dos últimos 80 anos.

Mas a política é um risco crescente

Ora, mesmo que os juros baixos inflacionem os preços de todos os ativos financeiros e criem novos problemas (como é que os fundos de pensões conseguem a rentabilidade necessária para responder ao envelhecimento da população nos países desenvolvidos?), se a finança nos EUA já voltou à dimensão de 2007, se a dívida privada voltou a disparar e se a produção industrial tem o nível mais baixo de encomendas dos últimos anos, não há maior risco do que o da política.

Some-se a vitória de Boris Johnson e o provável ‘Brexit’ conflituoso com Trump na sala de comando da guerra comercial. E as tensões sociais, dado que nunca houve um período de desemprego baixo sem que os salários cresçam alguma coisa, e agora a precarização criou uma ecologia de medo. Como não sobem os salários, a inflação na zona euro está presa nos 1,1%, ou seja, nada. Portanto, tudo se conjuga para se manterem os juros baixos, promotores da instabilidade financeira. Política e finanças são a combinação tóxica do nosso tempo.

E é aqui que se mede o risco mais grave, que é Trump à solta. E esse é fácil de medir: a China produz um terço dos aparelhos de telecomunicações, máquinas automáticas e equipamento de processamento de dados, mobiliário e roupas do mundo, e 70% do comércio global depende de cadeias globais de produção. Uma escalada de conflito que paralise estas cadeias ou que leve a criar dois padrões mundiais de 5G em paralelo não só vitimará a Europa como pode ser a ignição de um recuo da procura global e de tsunamis financeiros. Portanto, a economia recupera, pouco que seja, e só tem medo de que o céu lhe caia em cima.

Artigo publicado no jornal “Expresso” a 20 de julho de 2019

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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