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O poder da rua

A política é isso mesmo, agir e falar em conjunto disputando o centro do dissenso. O campo da polarização da relação de forças é a mobilização, a rua.

Este sábado, dia 19, a Avenida da Liberdade foi de novo palco de indignação e protesto pelo direito ao emprego, por uma economia justa. Aquelas dezenas de milhares de pessoas saíram à rua recusando mais austeridade, as políticas do desemprego e da precariedade, o saque aos seus salários, o ataque aos seus direitos, enfim, a política da desgraça social. Aquelas pessoas sabem que as suas vidas valem mais do que os mercados e querem disputar o seu futuro com José Sócrates e com Angela Merkel.

O facto do protesto deste sábado ter partido de uma convocatória da principal central sindical do país, a CGTP, é importante e demonstra que no jogo de forças os sindicatos podem tomar o seu lugar, não capitular entre concessões e negociações de direitos, assumir a sua responsabilidade social e, para lá da acção corporativa, participar, com outros, no debate que dita o futuro do país, acrescentando poder de reivindicação, mobilização. Tem de ser assim.

Também porque o protesto deste sábado se inscreve numa outra dimensão do compromisso político, afinal aquelas pessoas saíram à rua desfilando com o seu sindicato ou juntando-se ao desfile dos sindicatos, percebe-se que a rua, o espaço público, é o lugar onde a política acontece. Onde para além da exposição do descontentamento comum se disputam soluções, perspectivas e programas.

Foi o que aconteceu no sábado anterior, dia 12. Saíram à rua 300 mil pessoas por todo o país potenciando aquele que foi o maior protesto popular dos últimos tempos contra a precariedade e a austeridade sem fim. Foi uma experiência exemplar de ocupação do espaço público com partilha de opinião e proposta política. A diversidade não foi apenas a das várias gerações que se encontraram ali, com exigências comuns, foi também a da pluralidade de movimentos sociais que se misturaram com pessoas não organizadas, com e sem partido, mais ou menos comprometidas politicamente.

Uma linha forte de contestação que se traduziu na recusa da proposta da precariedade generalizada, de uma economia do desemprego, de políticas sem futuro foi o que susteve o todo heterogéneo. Aquelas pessoas sabem pelo menos o que não querem e esse foi o ponto mínimo de acordo comum que se tornou suficiente e ao mesmo tempo tão forte para gerar aquela mobilização que do facebook saltou para a rua, transformando o descontentamento virtual numa realidade de luta. A novidade de uma convocatória via rede social na internet tornou-se na novidade do protesto político amplamente participado. Como se lia num dos cartazes: “faz da rua o teu facebook!”

Ao realismo que pontua o discurso político dominante, as pessoas respondem com a realidade das suas vidas e saem à rua transformando o descontentamento em protesto público, acção política. Esta acção quer-se colectiva e plural.

A demanda por uma unidade em prol da salvação do país baseada numa política de distribuição de sacrifícios brutalmente desigual torna claro como o consenso fabricado é o que apodrece a democracia. A ideia de que os partidos têm de se unir no combate à crise é o reforço do debate estéril e amputado. Isto, a par do discurso da inevitabilidade, é o contributo para o fim absoluto da política. Porque se não há soluções que conduzam ao bem-estar social, então para que serve a política? Se todos falam em uníssono, então para que serve a democracia?

Na rua pode-se fazer mais do que materializar o descontentamento. Ao comum do protesto não tem de equivaler o consenso das soluções. A política é isso mesmo, agir e falar em conjunto disputando o centro do dissenso. O campo da polarização da relação de forças é a mobilização, a rua.
 

Sobre o/a autor(a)

Investigadora e doutoranda em Filosofia Política (CFUL), ativista, feminista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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