O pântano da maioria absoluta

porLuís Monteiro

30 de junho 2022 - 21:19
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O Primeiro-Ministro quis para si uma maioria absoluta para poder governar com estabilidade, quando usa esse poder para a instabilidade política e o desgoverno do governo. É ele quem tem de responder pela falta de estabilidade. Mais ninguém.

António Costa apresentou-se a eleições sugerindo ao eleitorado português que a governação da nação dependia de uma estabilidade que Bloco e PCP não estariam disponíveis para oferecer. Ensaiou uma crise política em torno das negociações do OE para este ano e recusou todas as propostas, nomeadamente as que respondiam, por um lado, aos problemas que estamos hoje a assistir no SNS, com todas as consequências nefastas a eles adjacentes e, por outro lado, à desregulação impressa nas leis do trabalho, responsáveis pelo agravamento das desigualdades sociais.

Essa estratégia eleitoral foi coordenada pelo Primeiro-Ministro e contou com amplo apoio dentro do Partido Socialista. E a sua vitória eleitoral, a par das significativas perdas para os partidos de esquerda, foi festejada enquanto momento de viragem para voltar aos bons velhos tempos onde o país era governado por maiorias absolutas. Sempre soubemos: na realidade, as maiorias absolutas representam menos poder de escrutínio, mais concentração de poder e falta de transparência.

É difícil acreditar que a prometida estabilidade governativa, conseguida após uma campanha agressiva contra os acordos parlamentares de 2015, seja hoje posta em causa por falhas de comunicação dentro do próprio Governo. Mas é essa a realidade. Este episódio com o seu colega Pedro Nuno Santos vem provar que existe uma indiscutível dificuldade de António Costa em gerir consensos e procurar soluções, sejam elas necessárias fora ou dentro do seu Governo. O Primeiro-Ministro quis para si uma maioria absoluta para poder governar com estabilidade, quando usa esse poder para a instabilidade política e o desgoverno do governo. É ele quem tem de responder pela falta de estabilidade. Mais ninguém.

O tema do novo aeroporto remonta à década de ‘60 do século passado. Não é nova. Nem é novo o tema nem os ziguezagues que vários Governos deram na condução do processo. O problema é que todas as hipóteses vão colocar problemas se o debate estiver delineado para responder à pressa do turismo como alpha & omega do crescimento da economia nacional. Duvido que seja possível outro enquadramento do debate enquanto o paradigma da economia continuar assente em baixos salários e num turismo que nos come os centros das cidades, destrói o acesso à habitação e impede que troquemos essa estratégia por novas prioridades. O país precisa de debater, com pés e cabeça, a necessidade urgente de aumentar o investimento público em infraestruturas de comunicação, em serviços públicos de qualidade, no combate às alterações climáticas – que, já agora, devem privilegiar o transporte ferroviário ao rodoviário e aéreo. E todo este processo, desde a decisão errada à crise dentro do governo, apenas serve aumentar a entropia num debate sobre investimento em vias de comunicação, que se quer coordenado e longe de certezas absolutas sobre peças avulso.

A maioria absoluta está a deixar o país em sobressalto, agravando os problemas estruturais, e confirma que o PS não pretende alterar os baixos níveis de investimento público em setores essenciais. Há uma crise na Saúde em Portugal. Urgências com falta de profissionais, carreiras no SNS pouco atrativas, um modelo de gestão neoliberal que prefere tarefeiros a contratação para a carreira. O abuso das gasolineiras atiraram o recibo de encher o depósito do automóvel para valores acima dos 100€. A inflação conhece os seus números reais na ordem dos 9%, mas os trabalhadores não têm nenhum aumento de salário ou medida compensatória. Na habitação, dizem-nos os últimos estudos que, só no primeiro trimestre deste ano, os preços cresceram 12,9% no primeiro trimestre. Estamos mergulhados numa crise económica e social que, ao contrário das palavras do Governo, não são circunstanciais. Falta saber se o pântano político da maioria absoluta não é ele também estrutural.

Luís Monteiro
Sobre o/a autor(a)

Luís Monteiro

Museólogo. Investigador no Centro de Estudos Transdisciplinares “Cultura, Espaço e Memória”, Universidade do Porto
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